O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

28.4.06

António Lobo Antunes, benfiquista confesso, deu em tempos uma entrevista à revista «Visão», da qual não resisto a transcrever este pedacinho:
Ainda sonha com a guerra [colonial]?
Apesar de tudo, penso que guardávamos uma parte sã que nos permitia continuar a funcionar. Os que não conseguiam são aqueles que, agora, aparecem nas consultas. Ao mesmo tempo havia coisas extraordinárias. Quando o Benfica jogava, púnhamos os altifalantes virados para a mata e, assim, não havia ataques.
Parava a guerra?
Parava a guerra. Até o MPLA era do Benfica... Era uma sensação ainda mais estranha, porque não faz sentido estarmos zangados com pessoas que são do mesmo clube que nós. O Benfica foi, de facto, o melhor protector da guerra. E nada disto acontecia com os jogos do Porto e do Sporting, coisa que aborrecia o capitão e alguns alferes mais bem nascidos. Eu até percebo que se dispare contra um sócio do Porto, mas agora contra um do Benfica?
Não vou pôr isso na entrevista...
Pode pôr... Pode pôr... Faz algum sentido dar um tiro num sócio do Benfica?

Festa da música, no Centro Cultural de Belém. A «corrida» termina nas Amoreiras. O cliente é «homo» e... atrevido. Procuro manter a calma, fingindo que a conversa não tem segundas intenções, mas quase atinjo o limite da paciência. Sou contra todas as discriminações, mas detesto provocações. «Já foi à praia?»; «gosta de fazer nudismo?»; «eu costumo frequentar a praia do Meco; não gosto da Caparica, por causa dos mirones»; «tem dedos compridos e mãos interessantes». Estou a passar-me... Carrego no acelerador. Fim da corrida. Uff!

PS – Já convivi com homossexuais e lésbicas, sem nada na manga. As opções sexuais das pessoas, bem como a cor da pele, nunca me influenciaram. Mas fico em brasa com certo tipo de manifestações rascas de certa gentinha que gosta de provocar.

27.4.06

É grande a mobilidade do taxista. Está em Belém, mas volvidos escassos minutos já pode ser visto no lado oposto da cidade. Devido a essa mobilidade, acontece com frequência cruzar-me com pessoas que não via há muito tempo. Um dia destes, na Avenida de Roma, parei para o cafezinho da manhã e deparou-se-me o prof. Mário Moniz Pereira. Tempo para pôr a conversa em dia. O «prof.» mantém jovens a lucidez e a frescura física, apesar dos seus oitentas e tais... Anda atarefado com as eleições no «seu» Sporting, mas ainda lhe sobra tempo para escrever estórias que hão-de contribuir para a História do desporto português.

26.4.06

25 DE ABRIL


Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner

«La dolce vita»

Num resort de luxo (1.500 euros por noite) da Sardenha, Cristiano Ronaldo e Merche Romero estiveram recentemente a (des)carregar baterias. O «fogareiro» está em todas e apresenta um testemunho inédito :) do jogador do Manchester United e da apresentadora de televisão (RTP) na bela praia do Mediterrâneo...

15.4.06

Divagações

Não dispenso a leitura de um bom livro, mas falta-me tempo para saborear esse simples prazer. Perdi imensas horas em conversas fúteis, por vezes sou escravo de «amizades» que, espremidas, deixam o copo ainda mais vazio. Bem sei que a solidão não é coisa que se recomende, às vezes contorcemo-nos com dor e precisamos de «sangrar»...

***

Viajar na «rede» é «pecado», mas ajuda a matar a solidão. Conhecemos gente gira com quem se pode estabelecer um diálogo interessante. A moda dos «blogs» pegou e ainda bem... Têm sido, para mim, uma agradável surpresa. Fico maravilhado com alguns textos de gente anónima, de grande capacidade criativa.

***

Recomendo um pequeno livro (150 páginas) – «O Segredo de Joe Gould», do norte-americano Joseph Mitchell – para «fintar» uma noite branca. Fiquei «agarrado» a este autor que não conhecia. Uma história muito bem urdida, na qual a ficção e a realidade se misturam na perfeição.
O Adriano tem razão: chegamos ao fim e apetece-nos recomeçar. António Lobo Antunes leu-o três vezes! Por mim, prometo não ficar por aqui...

14.4.06

«Lisboa, não sejas espanhola...» Salvo erro, esta frase é de um fado da Amália. Se fosse viva, a «diva» morreria de espanto com os milhares e milhares de espanhóis que invadiram Lisboa (e não só...). Um hábito de «nuestros hermanos» nesta altura da Páscoa, zarpar até Portugal, mas este ano vieram em massa. Hoje, em 13 «corridas» fiz dez com espanhóis. Castelo de S. Jorge, Rossio, Belém... foi um ver-se-te-avias. Sejam bem-vindos! A economia espanhola é das poucas em crescimento, a nível europeu, e se a portuguesa for arrastada na corrente... tanto melhor.
Hoje senti-me um autêntico taxista de Madrid. Ou de Múrcia, de onde vieram quatro dos meus clientes. Portugueses? Só os «tesos» ficaram por cá... Afinal, a crise é só para alguns! Os mesmos de sempre!

PS – A cena do abandono de não sei quantos deputados (de férias pascais no Algarve e no Brasil?), deixando a Assembleia da República «às moscas», é deplorável... É por esta e por outras que boa gente se está marimbando para a política...

13.4.06

Eu, pecador, me confesso!

Nesta vida de «fogareiro», estou atento às rádios e também não dispenso a leitura de um jornal diário. Um dia destes fui surpreendido com uma notícia da TSF e, confesso, não contive uma valente gargalhada... A Igreja Católica elencou três novos pecados! «Help me!» Vou direitinho para o inferno... Vejo pouca televisão, é certo, mas passo a vida a ler jornais e a navegar na Internet... Em contrapartida, a Igreja Católica entende que há perdão para a violência sobre as crianças... Não dá para entender!!!

Passar demasiado tempo a ler jornais, a ver televisão ou a navegar na Internet pode ser considerado pecado, com a obrigatoriedade de ser confessado. O Vaticano recupera, assim, um ritual do passado com uma lista de novos pecados, sinal dos novos tempos. Já outros novos pecados faziam parte da lista que os penitentes dizem, ou deviam dizer, ao confessor, como é o caso do excesso de velocidade ou a fuga aos impostos.
O cardeal americano James Francis Stafford, o penitenciário-mor do Vaticano, desfiou na terça-feira, na Basílica de S. Pedro, mais três novos pecados ligados às novas tecnologias: o excesso de Internet, de televisão e de jornais, nunca igualado por qualquer tempo despendido na leitura da Bíblia, uma prática, aliás, aconselhada pela Igreja Católica, até para substituir qualquer penitência mais tradicionalista.
Tudo isto aconteceu no Vaticano, numa celebração penitencial que era tradicional em Roma até ao Renascimento e agora recuperada pela Santa Sé. Sessenta confessores puderam, assim, atender pessoalmente os penitentes que ainda consomem esta prática em baixa um pouco por todo o mundo católico.
Sobre o perdão, o mesmo cardeal levou ao extremo a exigência posta pelo Cristianismo de perdoar até a violência contra as crianças e os assassinatos de inocentes...

TSF

12.4.06

Tempo de poesia



Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

A mulher «executiva» entra no Parque das Nações, vem agitada, com pressa de chegar à sede do BES, na Avenida da Liberdade. Pede-me para escolher o percurso mais rápido. Durante a viagem não pára de fazer telefonemas. Oiço várias vezes as palavras «financiamento», «projecto»; e oiço falar em muitos milhares de euros...
Tudo a postos para a reunião de alta finança. «Estou quase a chegar!», diz a alguém, visivelmente satisfeita com o taxista. «Passe-me um recibo de 15 euros», diz-me (o taxímetro marcou à volta de sete euros). Afinal, o que pesa uma simples «corrida» de táxi num «budget» de milhões euros?!

De vez em quando «mergulho» na noite de Lisboa, de preferência aos sábados, quando a «malta da pesada» sai à rua. Primeiro «faço» o Amoreiras e o Vasco da Gama (não gosto do Colombo), depois mudo a rota para as Docas, o Lux, a Kapital... Pelo meio, dou um salto à Duque de Loulé, local de grande «fauna» nocturna.
Quatro ingleses saem do Galery bem bebidos e acompanhados. Querem dois táxis para uma ida ao hotel, em Cascais, um deles com espera (o meu), porque as mulheres regressam a Lisboa.
Outras «corridas», as daquelas mulheres (duas brasileiras, uma portuguesa e uma africana). São bonitinhas, saem meninas da «terra» e são lançadas na alta-roda da prostituição.
No regresso a Lisboa, pela Marginal, enquanto sinto a brisa fresca do mar e oiço a conversa das jovens, dou comigo a pensar nesta «coisa» chamada vida. Puta de vida!

7.4.06

Há duas praças de táxis no aeroporto de Lisboa: a das partidas e a das chegadas. A primeira tem boa fama, é «tudo» gente séria; a segunda, rotulada de «quintal» (fica num espaço isolado), tem má fama, «só» lá param os taxistas «malandros», os «tais» que enganam os clientes...
Como sou curioso e não acredito nestas versões, tanto frequento uma como outra. Depende do tráfego... Ontem fui à praça de baixo, a das chegadas. Tomei um cafezinho, misturei-me com os taxistas «malandros». Não notei qualquer diferença... Aguardei meia hora e saiu-me uma boa «corrida», a Alcochete, levar um casal que regressou da lua-de-mel na Tailândia.
Há gente honesta e gente desonesta em todo o lado. A grande maioria dos taxistas é formada por pessoas sérias. E a ideia de que «lá em baixo» só param os «malandros» não corresponde à verdade.

6.4.06

Não é pessoa de conversa fácil, à primeira vista. O novo director do Centro Cultural de Belém (CCB) não dispensa o táxi para as suas viagens na cidade. Anda muito atarefado, pelos vistos... Domingo, só às duas da tarde saiu para almoçar. A colecção de arte moderna de Berardo e as novas ideias para ocupar aquele espaço nobre da capital devem ocupar-lhe muito tempo... Sou leitor das suas crónicas na «Visão» e tinha lido uma entrevista recente com o novo responsável pelo CCB, por isso não senti dificuldades em dialogar. Não tenho dúvidas: com António Mega Ferreira, o CCB vai ganhar nova dinâmica.

***

Antigo presidente do Sporting, também não dispensa o táxi. Não foi a primeira vez que transportei João Rocha. Naturalmente, o clube de Alvalade foi tema de conversa, tanto mais que atravessa crise directiva de certa gravidade. Desculpem qualquer coisinha, mas guardo para mim o teor da conversa.

***

Li alguns dos seus livros. Faz-se transportar de táxi nas suas viagens pela capital. É afável, sem ponta da petulância de alguns escribas de meia-tijela que se pavoneiam por aí. Falo de Urbano Tavares Rodrigues, um senhor da literatura portuguesa.