O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

31.8.06

Tempo de férias. Descansar é preciso, para mais nesta actividade fogareira, muito desgastante. Entretanto, dois dias em viagem de serviço com uma cliente espanhola e suas duas netas. Maria Dolores mora em Madrid e quis mostrar às «niñas» alguns locais que mais a marcaram quando visitou Portugal, há uma dezena de anos, na companhia do marido, já falecido. Coube-me essa missão e, durante dois dias, fui taxista e... guia turístico. Castelo de São Jorge, Torre de Belém, Jerónimos, Guincho e Sintra, no primeiro dia; Fátima, Batalha e Coimbra, no segundo.
Não conhecia a Universidade de Coimbra. A vista sobre a cidade e o Mondego é deslumbrante. E depois temos a Biblioteca Joanina (a mais antiga da Europa), a Sala dos Capelos, a Capela de S. Miguel, o Cárcere Medieval dos estudantes...
Tentei, sem esforço, ser um anfitrião à altura. No final, Maria Dolores agradeceu-me e foi muito generosa.

17.8.06

Quando me apercebi, tinha sete pessoas no carro! Dois casais (de Ermesinde) e mais os seus rebentos. «Desculpem, mas não posso transportá-los todos...» A solução foi chamar mais um táxi e... lá seguimos. De passagem rápida por Lisboa, aproveitaram para visitar o Oceanário e... o Estádio da Luz.
Vivò Benfica!

Tenho as minhas praças favoritas. Jerónimos, Castelo de São Jorge, Aeroporto, Hotel Altis, Hotel Pestana Palace... Foi nesta última que hoje «safei a folha» com dois casais italianos de Turim (ai a Juventus...). Interessados em arte e não só, coube-me transportá-los a vários locais da cidade (Museu Gulbenkian, Museu dos Coches...). Gosto da língua italiana e aventurei-me no diálogo com os meus simpáticos clientes. Saiu uma mistura esquisita, mas deu para nos entendermos...

«O Pestana Palace resulta da recuperação do antigo Palácio Valle Flor. Com vistas maravilhosas sobre o rio Tejo e um luxuriante jardim interior, o edifício é datado de final do séc. XIX, tendo sido alvo de rigoroso restauro que lhe devolveu o esplendor original. Quer os seus magníficos jardins quer o palácio são considerados monumentos nacionais.»

11.8.06

A entrevista de Eduardo Prado Coelho (EPC), na penúltima «Visão», não deixou de me surpreender. Estava convencido de que um autor do seu gabarito (onde é que eu fui descobrir esta palavra?!) não tinha a coragem de falar assim da sua vida pessoal, de forma tão aberta e sincera. Li alguns dos seus ensaios, os quais me ajudaram a descobrir vários autores, em especial de poesia; sou leitor das suas crónicas no «Público» – e construí uma ideia, pelos vistos errada, de que EPC era uma pessoa inacessível.
O meu primeiro contacto com EPC deu-se a seguir ao 25 de Abril, numa conferência (lembro-me) na Associação Portuguesa de Escritores, na Rua do Loreto. Fiquei fascinado com a sua capacidade de análise, com a facilidade como derivava de tema, para logo a seguir voltar ao raciocínio inicial. Tudo aquilo fazia sentido; tudo aquilo estava ligado.
Muito recentemente, li as cartas de EPC ao cardeal patriarca de Lisboa, D. José Policarpo (e vice-versa). A questão religiosa tratada com nível e elevação. Identifico-me com as posições defendidas por EPC. A certa altura, fiquei com a ideia de que ganhou por «KO» (perdoem-me a expressão) ao sr. cardeal, pessoa também muito inteligente e com elevada capacidade de argumentação.
Voltando à entrevista da «Visão». Insere-se na chamada área do «social», mas serviu-me para desconstruir a imagem deturpada (de homem inacessível) que tinha de um autor que muito admiro.

6.8.06

Ele «interviu»... O ror diário de calinadas nos nossos «media» de maior audiência daria para fazer um glossário da asneira nacional. É urgente que alguém proponha, na Assembleia da República, um modelo de exame para candidatos à carteira profissional de jornalista. E digo na Assembleia da República porque este é um problema nacional. Os portugueses não sabem falar a sua língua porque, além de mal ensinada nas escolas, é violada na comunicação nacional.
Francisco Rodrigues Pereira

3.8.06

Agosto fraquinho para os taxistas. Sinais da crise? Horas e horas nas praças, à espera do cliente que tarda em chegar. Tempo para pôr a leitura em dia. Cansado de jornais e revistas do género «conheça os melhores locais para passar férias», decidi virar-me para outro tipo de leituras. Li há tempos, na revista «Pública», uma bela reportagem sobre a correspondência entre Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena. Decidi comprar o livro e não estou arrependido. «A literatura, as cidades e a política povoam estas missivas transoceânicas, sobreviventes da censura da polícia política, trocadas durante as décadas de 60 e 70 entre duas eminências da cultura portuguesa que nelas, como é próprio do género epistolar e de uma relação de amizade e mútua admiração, se revelam intimamente.»

«Que algumas amizades prevaleçam para além de tudo é uma espécie de luz, talvez a pequenina luz bruxuleante. Exemplo de um desses momentos em que a sobrevivência da amizade é precavida e protegida, acontece nas cartas de Julho e de Novembro de 1964, por altura da atribuição do Prémio da Sociedade de Escritores, em que o júri se dividiu entre O Livro Sexto (Sophia) e Metamorfoses (Sena), deixando os dois poetas e amigos face a face num confronto que, embora provável, não haviam procurado nem, talvez, previsto.»

Correspondência de Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena (1959-1978) – Guerra & Paz, Editores

2.8.06

O mau início de época do Benfica está na ordem do dia... Fernando Santos mandou às malvas o sistema do «losango», a escassos dias da estreia na pré-eliminatória da Liga dos Campeões, e o país inteiro passou a discutir tácticas e bitácticas. Do «losango» ao 4x3x3 e mais as suas variantes, a escolha não é fácil... Depende, está visto, da matéria-prima...
De Alcântara a Telheiras, a conversa versou futebol. Às tantas, já próximo do fim da «corrida», o meu cliente desabafou: «Nota-se que é um taxista com bom astral... Sou juiz, ando muito de táxi e tenho um ódio de morte a certos taxistas...»
Considerei a linguagem («ódio de morte») demasiado forte para um juiz (?). Agradeci-lhe o elogio, mas ripostei: «Haverá taxistas imcompetentes, como em todas as profissões, mas também há juízes que muito ficam a dever à justiça...»
Despedimo-nos com um sorriso amarelo. Por mim, só espero que Fernando Santos ainda vá a tempo de inventar uma nova táctica capaz de vencer, nem que seja por 1-0, o modesto Áustria Viena...