O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

28.9.07

«Pedi sempre para não me mentirem e, por isso, quando muito francamente me dizem que tenho um cancro, o que vejo à minha frente é a morte. Não é ver a morte à minha frente, é vê-la dentro de mim.»

Acabo de ler uma entrevista de António Lobo Antunes, à «Visão». Já tinha lido, na mesma revista, a crónica em que anunciou ser portador de cancro. Quando admiramos alguém, partilhamos as suas alegrias e tristezas. Gosto muito dos seus livros. Tocam-me a alma, como os filmes de Ingmar Bergman. «É horrível estar grávido da morte», confessa Lobo Antunes, ao mesmo tempo que nos transmite enorme força interior. Nunca vi alguém lidar assim, de forma tão frontal, com a ideia da morte.

27.9.07

No âmbito do Festival Internacional do Táxi, estive na Ler Devagar e, antes de mais, fiquei muito bem impressionado com o novo espaço da velha livraria do Bairro Alto, agora em Braço de Prata. Um local a revisitar, até porque é propício a reencontros com gente gira. Como foi o caso da Paula Cabeçadas, autora de um belo blogue (http://atrasdalente.blogspot.com/) e sempre numa onda boa.
A propósito do Festival Internacional do Táxi. A Ler Devagar promoveu uma iniciativa original, com vários taxistas (e não só...) a contar e a ler «estórias» às pessoas interessadas. E foram muitas! João Botelho, presidente da Rádio Táxis de Lisboa, convidou-me para ler algumas «estórias» de «ofogareiro». Recusei, porque não me sinto à vontade nesse papel (estou mais vocacionado para a escrita).
Na noite de sábado, uma surpresa muito agradável. Pedro Mota, um actor que também é investigador (ou vice-versa), leu textos de Jack Kerouac e Ítalo Calvino («On The Road» e «As Cidades Invisíveis», respectivamente). Com a sua voz calma e inconfundível, o Pedro «agarrou» as pessoas que se posicionaram no (meio) táxi da Autocoope.
No final, tempo para uma conversa agradável. Fiquei a saber que o também dinamizador de a Ler Devagar tem um livro na forja e estou convidado para o seu lançamento, dia 19 de Outubro, às 21.30 h, no Padrão dos Descobrimentos.

25.9.07

Desejaria escrever algo para dedicar a alguém, mas não consigo. Estou a sangrar por dento e tudo o que possa afirmar, nesta situação, soará a falso. Socorro-me de um curto mas belo poema de Sophia de Mello Breyner, sem mais palavras...

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua

Sai de um hotel cinco estrelas de Lisboa e entra no táxi. São dez horas da noite. Elegante, a jovem de origem africana pede-me para transportá-la a Sacavém, junto ao supermercado Lidl. É proibido dizer a um taxista, à noite, para ir à Quinta do Mocho; ou à Cova da Moura. Os clientes já sabem e pedem para ficar em locais referenciados: supermercados Lidl ou bombas da Repsol.
Fala ao telemóvel com uma amiga. E conta-lhe, baixinho, como correu a noite no hotel cinco estrelas.
«Quer mesmo ficar junto ao Lidl?», pergunto-lhe.
«Querer, não quero, mas como já sei que os taxistas não vão lá acima...»
«E não tem medo de ser assaltada?», provoco-a.
«É mais fácil assaltarem-no a si do que a mim...», replica.
«Também acho... Mas vou arriscar... Levo-a lá acima... Custa-me deixá-la, sozinha, num ermo destes...»
Respiro fundo. Confio no Mercedes 200 e transporto a cliente bem ao coração de um dos bairros mais problemáticos (perigosos?) dos arredores da capital.
«É corajoso!», diz-me, na despedida.
«Corajoso? Nem imagina como estou cheio de medo!», confesso-lhe.
Meto uma mudança forte, tranco o carro e arranco em direcção ao aeroporto. Conto a «aventura» a um taxista amigo e ele nem me deixa terminar: «És louco!»

PS – Penso que não serei assim tão «louco»... Na Quinta do Mocho moram essencialmente emigrantes africanos, gente de trabalho, nas obras e nas limpezas. Também existe marginalidade, claro!, mas àquela hora ainda havia movimento nas ruas e deduzo que o facto de um taxista entrar no bairro, transportando um dos seus moradores, é sinónimo de respeito. Isto sou eu a pensar agora, à distância...

23.9.07

Através do José do Carmo Francisco, ilustre colaborador deste «cantinho», dou notícia do lançamento do livro «Donos da Terra», do jornalista brasileiro Odair Cunha, que conta a história do longínquo e famoso «duelo» Benfica-Santos, a 11 de Outubro de 1962, para o Mundial Interclubes. De um lado estava Pelé; do outro, Eusébio... Com a devida vénia, aqui reproduzo parte do texto de apresentação do livro, a propósito do seu lançamento, em Outubro próximo:

De todas as datas que um time brasileiro pode comemorar, nenhuma supera a de 11 de Outubro. Nesse dia, há 45 anos, pela primeira vez um time brasileiro se consagrou campeão mundial – e batendo o bicampeão europeu lá no Velho Continente. Vivia-se o auge do futebol-arte, um breve e precioso período em que ele se miscigenou com o fair play. Sim, jogava-se bonito e limpo, e por isso aquela partida entre Benfica e Santos, no Estádio da Luz, tornou-se exemplar, e precisa ser relembrada e comemorada eternamente.
Um time tinha Pelé; o outro, Eusébio; um era a base da Selecção Brasileira bicampeã no Chile, quatro meses atrás; outro era a própria Selecção de Portugal, que quatro anos depois brilharia na Copa da Inglaterra; um havia humilhado o Real Madrid de Di Stefano e Ferenc Puskas, em Berna; o outro fizera o mesmo com o Penharol, em Buenos Aires. O Mundo parou para ver aquele duelo entre dois times que falavam, mais do que o mesmo idioma português, a mesma língua do belo, do ético, da busca incessante do gol.
Vivia-se a era do rádio e por isso o presidente da República, João Goulart, autorizou a Agência Nacional a liberar o horário da obrigatória Voz do Brasil para que as rádios brasileiras pudessem transmitir aquele verdadeiro choque de mundos. Era uma quinta-feira, eu me lembro bem... Você sabe o que de importante aconteceu no Mundo naquele dia, mês e ano?
Porque Lima entrou no lugar de Mengálvio, titular absoluto, e porque o veterano Olavo jogou como lateral-direito, se Ismael já tinha estreado muito bem no Santos? Porque o técnico do Benfica – que não era Bella Guttmann e nem Otto Glória, como alguns sites brasileiros insistem em informar – escalou o jovem Jacinto na lateral-direita, ao invés do experiente Mário João?
Porque os portugueses já vendiam ingressos para a terceira partida, se a segunda ainda nem havia sido realizada? Como Benfica e Santos se prepararam para este jogo, e como actuaram? Quais foram os lances mais importantes? Quais jogadores se destacaram?
Como a opinião pública reagiu ao resultado? O que Eusébio, Simões, José Augusto, Humberto, Cruz – todos titulares do Benfica naquela noite – dizem hoje daquela partida? Porque os especialistas europeus – até o árbitro do jogo – concordaram que o Santos era a melhor equipe que já tinham visto jogar?
Essas informações, essas respostas, estão no livro «Donos da Terra».

Odir Cunha é autor de «Time dos Sonhos», «Pedrinho escolheu um time», «Heróis da América» e a biografia de Oscar Schmidt. Adaptou ainda, para português, a biografia de Ronaldinho Gaúcho.

21.9.07

Na gíria do futebol é comum ler que as coisas saem bem a uma equipa quanto esta já criou «automatismos». Confesso que prefiro ver a imaginação e a criatividade à solta, mas reconheço que as «jogadas estudadas» são úteis e podem resolver um jogo. Em todas as profissões, há gestos que se repetem. E até mesmo os escritores e os jornalistas precisam de criar um «estilo» para poder comunicar as suas ideias.
A propósito desta vida de «fogareiro», também já criei «automatismos». A princípio, quando comecei a circular pelas ruas de Lisboa, qualquer braço no ar era sinónimo de cliente. Parava e, afinal, tratava-se de um arrumador de carros... Agora já estou vacinado contra esse descuido, mas não totalmente. Um destes dias, descia a Avenida Almirante Reis no meu carro particular e vi, ao longe, uma pessoa com o braço no ar. Parei, sem me aperceber de que atrás de mim vinha um táxi. O que terá pensado a senhora?
No táxi que conduzo, um Mercedes 200, o travão de mão é accionado com o... pé. Quanto mudo para o meu carro particular, passo a vida a travar com o pé, mas em vão... E vice-versa!
Também acontece, por vezes, esquecer-me do destino da «corrida». Frequento muito a praça de táxis do Hotel Altis, que dá bons serviços para o aeroporto (e não só...). Um cliente pediu-me para transportá-lo ao Parque das Nações, mas quando me apercebi, estava na direcção do aeroporto. Nada disse, mudei a agulha e o cliente (estrangeiro) nem deu conta do engano.
Qualquer dia, de tão automático, ainda acordo «robot»!

17.9.07

Parte I – A agressão de Scolari a Dragutinovic só pode merecer condenação, independentemente das razões que lhe assistam, algumas das quais não consegui vislumbrar nas imagens televisivas. O «Expresso» avançou que o relatório do árbitro abona a favor do seleccionador português, tanto mais que mostrou cartão vermelho ao jogador sérvio. Ou seja, Scolari terá reagido a uma provocação. Poderá funcionar como atenuante, mas ainda assim o seu gesto foi inadmissível.

Parte II – Há dias quase perdi a cabeça. Circulava em Entrecampos, dirigia-me para a Avenida da República e tentava ocupar a «minha» faixa de rodagem. Não me apercebi de ter cometido qualquer falta, mas subitamente pára um carro a meu lado e apenas ouvi: «Filho da p...! Cabrão!»
Fiquei fora de mim! Em vez de seguir para a Avenida da República, segui o outro condutor, que se dirigia para a Avenida das Forças Armadas. Quando ele parou no sinal vermelho, saí do carro e fui na sua direcção, mas ele fechou-se a sete chaves. Muita coisa me passou pela cabeça, já nem sei o que lhe disse, quando me lembrei dos clientes brasileiros. Voltei atrás, pedi-lhes desculpa e seguimos viagem.
Agora reconheço que o meu gesto foi incorrecto, até porque transportava clientes. Mas pergunto: os insultos de um imbecil não mereciam uma boa esquerda, à Scolari? Se não fossem os clientes brasileiros, não sei como tudo teria acabado... É por estas e por outras que compreendo (embora não aceite) certos gestos... Ainda bem que não sou seleccionador nacional!

PS – Mais calmo, ainda me diverti com o casal brasileiro, depois de lhes ter pedido mil desculpas. Afinal, disseram-me que cenas destas, comparadas com as que acontecem no Rio de Janeiro, não passam de coisas sem importância. «Tenha calma, senhor Manuel», dizia-me a senhora, ao mesmo tempo que quis saber o significado da palavra «cabrão». «É ofensiva?», perguntou-me. E de que maneira!

14.9.07

Essa palavra «fogareiro»…

O meu sogro (João Ribeiro) foi chófer de praça em Lisboa nos velhos tempo em que se sabia sempre o preço de determinada corrida. Quando as camionetas chegavam todas vomitadas à Rua Cidade de Liverpool e o tejadilho estava cheio de cabazes de verga com os mimos da terra. Nascido em 1915, numa terra de profissionais do volante (Atalaia da Barroca – Sobreira Formosa), veio a falecer em 1983. Homem interessado nas palavras, chegou a participar com entusiasmo e algum dinheiro na compra de uma rotativa nova para o jornal «República».
Um dia perguntei-lhe a razão de ser da palavra fogareiro. Respondeu: «Sabe, isso chama a gente àqueles que andam sempre de fogo no rabo. O fogareiro precisa que a válvula seja puxada várias vezes para entrar ar e o petróleo subir. Pois a gente gosta de parar um bocado quando vai meter gasóleo na bomba ao lado da estação do Rossio e comer uma bifana no Beira Gare. Depois conversar um bocado e só depois voltar ao trabalho. Não somos fogareiros. Os fogareiros nunca páram para petiscar e só pensam na folha. Como diz o outro, não comem para não ir ao bacio. Fique-se com esta: todos os fogareiros são chóferes de praça, mas nem todos os chóferes de praça são fogareiros.»
É tudo uma questão de atitude perante a vida, concluo eu, tantos anos depois desta conversa dentro do seu velho Austin verde e preto, ali na Rua das Laranjeiras, ao pé do J. J. Gonçalves.

José do Carmo Francisco

13.9.07

Um amigo leitor destas páginas, Fernando Frazão, enviou-me um mail que agradeço e tenho todo o gosto em publicar. Faz-me uma pergunta para a qual ainda não consegui resposta: a origem da palavra «fogareiro». Mas prometo investigar... Bem sei que o «jargão» não agrada a muitos taxistas. Pela minha parte não vejo qualquer conotação negativa e até já aqui escrevi um texto a este propósito, ao qual fui retirar a seguinte passagem: «Desculpem qualquer coisinha, alguns amigos que já fiz nas praças de Lisboa. Não gostam da palavra fogareiro? Paciência! Lido com ela há largos anos. É de família! Já aqui falei dos meus quatro tios fogareiros. Gente de primeira água. Gosto menos da palavra taxista. Não me soa bem. Mas à falta de melhor... Não me venham é com essa do técnico de condução... Por amor de deus!»

Em primeiro lugar quero dizer-lhe que muito aprecio o seu blogue. Tempos houve que, em conversa com amigos meus, se discutia se você era de facto um motorista de táxi. A qualidade dos textos não o indicaria (por razões, infelizmente, óbvias), mas a riqueza de pormenores das corridas apontava para que assim fosse na realidade. O tempo se encarregou de esclarecer a questão.
Escrevo-lhe em primeiro lugar para confirmar o post que tem o final em epígrafe [«E ainda dizem mal dos taxistas!»]. Viajo com frequência e nunca me aconteceu chegar ao aeroporto e encontrar taxistas mal encarados, mesmo quando, por vezes, a corrida é curta. Trabalho num banco relativamente perto e por vezes vou directo do aeroporto para lá.
Aconteceu ainda o ano passado que no regresso da Madeira, eu e a minha mulher tomámos um táxi do aeroporto para a nossa casa na Parede, tendo-me esquecido, no banco traseiro, de uma mala contendo a câmara de filmar e a máquina fotográfica. Alguns minutos depois, alguém começou a tocar nas campainhas do prédio. Obviamente que era o taxista tentando encontrar o casal que tinha transportado do aeroporto.
Fiquei tão espantado que nem esbocei o gesto de lhe tentar dar uma gratificação, nem identificá-lo, para mais tarde lhe agradecer. Aqui fica o reparo. Se lhe apetecer divulgue isto seu blogue.
Em segundo lugar gostaria de lhe perguntar se sabe de onde vem o «jargão» de fogareiro. Tenho 57 anos e sempre ouvi este designativo que muitos usam depreciativamente e outros, como você, com algum orgulho. Tenho procurado a origem do termo, mas até agora não encontrei qualquer explicação para a «alcunha».

Cumprimentos

Fernando Frazão

10.9.07

Tenho acompanhado, como tanta gente, a evolução do desaparecimento da criança inglesa Maddie, na Praia da Luz. Um caso que ganhou proporções gigantescas a nível dos media, quando outros semelhantes são votados ao esquecimento. Marketing à parte, tenho seguido com atenção as opiniões de Moita Flores, o antigo criminologista (inspector da PJ) que me parece ser uma voz muito autorizada para falar da matéria.
Nos dias a seguir ao desaparecimento de Maddie, disse no círculo de pessoas que me rodeiam que achava estranho o comportamento de sua mãe, Kate, mesmo salvaguardando a velha máxima de que qualquer pessoa é considerada inocente até prova em contrário. Oxalá a criança inglesa apareça sã e salva, mas como não acredito em milagres...
Voltemos ao parágrafo anterior: sempre que fixo o rosto de Kate, nas imagens televisivas, não vislumbro uma lágrima – antes vejo um rosto frio que não permite qualquer leitura sobre o seu estado de alma.
E a propósito do rosto de Kate, veio-me à ideia uma conversa antiga com um velho amigo algarvio, que estranhava o facto de um seu familiar beirão (de Castelo Branco) chorar por tudo e por nada. Um dia perguntei-lhe: «Vocês, algarvios, não choram?» E ele respondeu-me: «Choramos, mas para dentro!»
Bem sei que nem todos sentem da mesma maneira. E se calhar os beirões, como é o meu caso, são demasiado lamechas... Choram de alegria e de tristeza, choram nas despedidas e nos reencontros...
Não conheço o mundo de Kate e talvez esteja a fixá-la com os meus olhos de beirão. Talvez... Mas, para mim, continua a ser um enigma o rosto daquela mulher!

7.9.07

O homem (Jorge) atravessa a praça de táxis do aeroporto (partidas) numa correria louca e a gritar: «O meu computador! O meu computador!» Desce a Alameda das Comunidades na direcção da Rotunda do Relógio. Volvidos alguns minutos, regressa à praça de táxis a chorar copiosamente. Tentámos acalmá-lo e, por fim, lá nos explicou o sucedido.
Veio de Braga até à Gare Oriente, onde tomou um táxi para o aeroporto, rumo a Natal (Brasil). Esqueceu-se do portátil no táxi e ficou em desespero, porque nele tinha guardada a sua tese de doutoramento. Fizemos apelos às rádios-táxis (Autocoope, Teletáxis e Rádio Táxis de Lisboa) e... nada!
Continuámos a dialogar, fui-lhe alimentando a esperança de que iria recuperar o portátil, até que surge uma carrinha Mercedes, preta e verde, junto à praça de táxis. O motorista sai e o brasileiro corre ao seu encontro, abraçando-o efusivamente. Uff! Todos ficámos aliviados!
Jorge veio ao nosso encontro, agradeceu-nos com um abraço e desabafou: «E ainda dizem mal dos taxistas!»

6.9.07

Veio pela primeira vez à Europa. Visitou França, Espanha e Portugal e está de regresso à Amazónia, mais concretamente a Porto Velho, no estado brasileiro de Rondônia (do tamanho da Espanha!). Falo de Dinalvo de Oliveira, meu ilustre cliente numa curta mas proveitosa viagem até ao aeroporto de Lisboa.
Dinalvo viajou sozinho pela Europa e leva gratas recordações de Portugal e de Espanha, mas não tanto de França. «Os franceses são muito arrogantes. Insistem em ser o centro do Mundo, mas com a globalização já não é assim.»
É empresário do ramo alimentar. Faz criação de tambaqui, o peixe («muito gostoso») também conhecido por «leitão de água doce», em viveiros construídos nas represas dos rios amazónicos. Peixes que chegam a pesar 30 quilos, mas apanham-nos com três/quatro quilos. Diz-me que comercializa mais de 300 toneladas por mês, mas também faz criação de bois, porque naquela região «come-se muita carne barata e boa».
A propósito do excesso de consumo de carne, Dinalvo fala-me dos problemas do colesterol e das doenças cardiovasculares. E deixa um conselho: «A sardinha, o salmão e o atum são peixes ricos em ômega-3, um tipo de gordura que ajuda a combater o colesterol e as doenças cardiovasculares.»
Estamos sempre a aprender! Pela minha parte, só o salmão não entra na ementa normal. Quanto à sardinha... só temo que este Verão tenha aplicado um tratamento de choque ao meu pobre colesterol!

Manhã de sábado. Espreito a praça dos Jerónimos e não há lugar para mais táxis. Dirijo-me à Cafetaria do Museu da Marinha, sento-me na mesa habitualmente ocupada por António Ramos Rosa, tomo o pequeno-almoço e leio o jornal. O espaço é muito agradável. Levanto a cabeça e depara-se-me a fachada lateral do Mosteiro dos Jerónimos; por detrás de mim, um enorme aquário e nas paredes réplicas das caravelas portuguesas.
Converso com a Luísa e pergunto-lhe pelo poeta. Fala-me dele com muita ternura. Aliás, já tinha verificado isso anteriormente.
– Costuma ler a poesia de Ramos Rosa? – perguntei-lhe de surpresa.
– Ele ofereceu-me vários livros, mas sinto dificuldade em compreender a sua poesia. Curiosamente, se for ele a ler os poemas, tudo aquilo faz sentido.