O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

12.1.12

A «pianista»

Tem olhos azuis penetrantes e um rosto que já foi jovem. Entra no Cais do Sodré e tem pressa de chegar ao Parque das Nações. «Importa-se de aguardar que eu vá levantar dinheiro?» Estranho, porque não vislumbro qualquer caixa multibanco nas redondezas. Começo a perdê-la de vista, penso numa «banhada», arrumo o táxi e zarpo na sua direcção, sem dar nas vistas. Deixo de vê-la, por instantes. Sai de uma loja e prepara-se para entrar no Teatro Camões. É nesta altura que decido intervir:
– Então?!
A mulher fica embaraçada:
– Estou com muita pressa... Sou pianista e o ensaio não pode começar sem mim... Não tenho aqui dinheiro, mas fique com um cartão e passe pela minha casa...
– Sou taxista e se não me pagar dentro de cinco minutos chamo a polícia e cobro-lhe mais dez euros pelo tempo que me fez perder...
Num ápice, a «pianista» sobe as escadas e volta com o dinheirinho da «corrida».

PS – Fico a pensar no gesto daquela mulher e, por estranho que pareça, meio arrependido, até, por não lhe ter perdoado o serviço. Será que ela não tinha os cinco euros e foi pedi-los a alguém? Será que é mesmo pianista e está em crise financeira? Terá agido assim por não querer humilhar-se? Porque será que não perco esta velha mania de vestir a pele dos outros?