O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

28.11.05

Praça do IPO – O cliente entrou e mostrou-me um papel com a seguinte inscrição: «Por favor, leve-me aos comboios do Cais do Sodré e passe-me um recibo.» Fiz-lhe sinal de compreensão e... arranquei. Durante a viagem, soltei frases soltas, do género «o trânsito está caótico»; ele respondia-me com o olhar.
[Há tempos, um fulano que se dizia meu amigo e não passava de um falso amigo, criticou-me por eu «tomar as dores dos outros». Talvez eu seja um bocadinho piegas, mas não consigo ser diferente. É uma questão de sensibilidade... Sofro quando os outros sofrem à minha volta; alegro-me quando reina a alegria à minha volta. Um defeito? Uma virtude? Não consigo ser juiz em causa própria...]
Despediu-se com um aceno de cabeça; despedi-me com um «obrigado e até à próxima». Na minha retina ficou o olhar daquele homem ainda jovem. Parti para a próxima corrida, mas a pensar nesta vidinha madrasta que não pára de nos pregar partidas.