O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

26.12.05

Cada vez mais, tenho para mim que o interior do táxi é, para muita gente, uma espécie de confessionário. Se ganham a confiança do taxista, essas pessoas expõem-se em demasia, porque necessitam de desabafar. Esquecem-se de que também há taxistas desonestos, aliás como em todas as profissões.
Tenho ouvido falar em «banhadas» de alguns taxistas a estrangeiros que chegam a Lisboa, normalmente no aeroporto. Na semana passada, uma brasileira entra no «meu» táxi e diz-me que deseja seguir viagem para o Porto, a fim de passar o Natal com amigos. Perguntou-me quanto custava ir de táxi, disse-lhe que não tinha a certeza, mas que deveria rondar os 250/300 euros. Achou muito e decidiu ir de comboio. Vinha cansada da longa viagem de avião, mas feliz por estar pela primeira vez em Portugal. Cheia de frio, porque lá no Maranhão as temperaturas chegavam aos 40 graus.
«Então me leva à estação dos comboios.» Imaginei o cenário, se à minha cliente tivesse calhado um dos «tais» taxistas desonestos. Teria dado uma volta tal que a brasileira ficaria a conhecer Lisboa, sem dúvida, mas pagaria conta avultada até chegar ao Alfa com destino ao Porto, em Santa Apolónia.
Não foi o caso! Levei a senhora à estação da Gare Oriente. A «corrida» rendeu pouco, mas a minha consciência ficou tranquila.

***
O sr. João (82 anos) vem vestido a rigor (fato e gravata). É dia de Natal e entra no táxi em Sete Rios. Vem de Sintra, onde mora. «Por favor, leve-me ao Parque Mayer.»
Foi curta a viagem, mas o sr. João estava mesmo a precisar de alguém com quem falar. «Sabe, a minha mulher faleceu há precisamente quatro anos e não consigo estar em casa no dia de Natal. Nunca mais fui o mesmo, desde que ela me deixou. A minha filha quis que eu fosse para sua casa, mas preferi ficar sozinho e vir até Lisboa. Vou espreitar o Parque Mayer. Se conseguir bilhete para uma revista à portuguesa... Se não, dou um passeio pela Avenida, até à Baixa, como um petisco e regresso a casa.»
É gente desta, como o sr. João, que gosto de transportar. Os idosos andam muito de táxi e são os meus melhores clientes. Com eles, o tempo não conta. Ficámos um bom quarto de hora à conversa. Gostei de conhecer o sr. João e tenho a certeza de que ele também conheceu um taxista diferente.

PS – O «meu» táxi, acidentado (ver post anterior), está à porta da oficina, mas entretanto já tenho outra «ferramenta» para trabalhar. Não chega aos calcanhares do «190-2.5», mas serve...