O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

20.12.05

Hoje comecei mal. Primeiro serviço para a FIL, na Junqueira, decido dar um salto ao Hotel Pestana Palace, na Ajuda, e «afundo-me». Quase uma hora à espera e... nada! Arranco em direcção à praça do Cais do Sodré, um dos «abonos de família» dos taxistas, durante a manhã. Uma senhora apressada entra no táxi. Tem bom ar, sem ser jovem. E um sotaque esquisito. «Tenho um quarto de hora para apanhar o barco do Montijo. Acha que consigo?»
«Claro que sim», respondi à senhora romena.
A viagem foi curta, mas ainda assim deu para perceber que a minha cliente mora em Corroios e faz todos os dias uma longa viagem até chegar ao Montijo, onde trabalha – autocarro até Cacilhas, barco para o Cais do Sodré, novamente autocarro (hoje táxi, porque se atrasou) para a Estação Sul e Sueste, barco até ao Montijo... E ao fim do dia, a mesma via-sacra, em sentido inverso.
Dá que pensar, esta vidinha para ganhar alguns euros. Não sei o que faz a senhora romena – sei que fala um português razoável, pareceu-me pessoa bem formada e informada. E transporta consigo autêntico calvário (Corroios-Lisboa-Montijo...), duas vezes por dia.
Naturalmente, a minha vidinha de taxista também não é fácil. Tal como a senhora romena, farto-me de palmilhar quilómetros para ganhar uns eurozitos. Um dia destes enlouqueço. Ou faço como aquele taxista que transporta consigo a Bíblia. Quando pára nas praças, em vez do jornal, lê as Sagradas Escrituras. Se calhar, os deuses dão-lhe sorte e vai todos os dias a Cascais, ao Estoril ou a Alcochete... É que hoje estive uma vez no aeroporto e apanhei cliente para o Parque das Nações. Parei na Gare do Oriente e... apanhei para o Centro Comercial dos Olivais... Estou mesmo a precisar de um deus qualquer... Ou será que o melhor é ir à bruxa?