O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

22.12.05

A senhora entra na praça do Colombo, traz embrulhos de Natal e tem ar triste. Durante alguns minutos, silêncio total dentro do táxi. Como sempre, dou a «deixa» ao cliente: se lhe apetece dialogar, tudo bem; se não, tudo bem na mesma, a viagem prossegue sem sobressaltos.
Quebrada a barreira do silêncio, a senhora não mais parou de falar. Desabafou imenso até à zona da Praça de Londres. Falou da sua vida, espontaneamente, sem que eu a forçasse minimamente.
Mulher de 50 e poucos anos, atravessa momento de turbulência na sua vida privada, depois de o marido ter decidido viver com outra pessoa, mais nova. No final da viagem, esteve durante um bom quarto de hora a desabafar, dentro do táxi. Dei-lhe uma forcinha, dizendo que a vida tem «curvas» e que o importante é seguir em frente na «jangada», como canta a Bethânia.
O táxi, por vezes, é uma espécie de confessionário. Aquela mulher estava mesmo a precisar de desabafar... E a propósito desta viagem, veio-me à memória o meu amigo João Mota. Já lá vão uns anos, também atravessei fase menos boa. Um dia fomos beber um copo. Falei, falei... até que lhe perguntei: «Só eu é que falo?! Tu hoje não dizes nada?!» O João, na sua sabedoria, olhou para mim e disparou: «Tu é que estás a precisar de falar!»
Um abraço, João!