O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

6.1.06

Último dia do ano. Grande azáfama nas ruas de Lisboa. Não há mãos a medir para os taxistas. A cliente entrou em Campo de Ourique. Propôs-me uma «corrida» a vários locais da cidade, com espera. Aceitei a proposta. Rua Castilho, Picoas, Av. da República, Estrela e regresso a Campo de Ourique. Afinal, sempre acrescentaria uns euros à «folha» quase completa.
Nota-se que a cliente está agitada com a passagem de ano. Saiu da «boutique» com o vestido de noite num saco comprido, daqueles que servem para transportar roupa. Demorou uma eternidade... É pessoa do chamado «jet set», escolheu ir de táxi porque tinha o «BMW a reparar» e também porque era «mais prático». Fala com uma entoação esquisita na voz, como aquelas «tias» bem conhecidas.
Mais calma (já tinha o vestido, que pelos vistos era «peça» fundamental para aquela noite...), falou com o taxista. A passagem de ano era numa daquelas discotecas «in» da capital.
Final da «corrida». Ajudo a cliente a levar a «bagagem» à porta do elevador. Antes, tocou a campainha e disse: «Não está ninguém em casa.» Despeço-me. «Não quer ver o meu vestido?» Abre o fecho do saco e mostra-mo. Não notei algo de especial, mas para a minha cliente era uma «obra-de-arte».
Fingi que aquilo era uma situação normal e preparei-me para rumar ao táxi. «Onde faz a sua passagem de ano?», perguntou-me. Pensei um bocadinho e disparei, ou melhor, inventei: «No ano passado, comprei uma garrafa de espumante e festejei com um mendigo, na estação do Cais do Sodré. Este ano, ainda não sei... Mas é bem provável que faça o mesmo...»
A cliente, meio escandalizada, deixou escapar: «Ah!!! Coitado!!!»