O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

15.2.06

Artur, o taxista romântico

Tem 50 anos bem conservados, é solteiro e bom rapaz. Mas disponível, só está mesmo o seu táxi quando não transporta ninguém. É verdade que com um simples bombom ou uma vela aromática, entre outros «mimos», Artur procura «conquistar» aqueles com quem estabelece empatia durante uma corrida pelas ruas da capital. Mas por «pura maneira de ser. Sem segunda intenção».
É assim em todas as quadras natalícias e pascais, bem como no Dia Internacional da Mulher. Mas não o é nem «jamais será no Dia dos Namorados». Nesta data que considera «muito especial», as prendas «devem ser partilhadas entre o casal. Um forasteiro não deve intrometer-se».
Este «forasteiro», que se ganhasse o euromilhões dedicar-se-ia exclusivamente às causas humanitárias, não pode dar-se ao luxo de parar de trabalhar para exercer «essa nobre missão». E é precisamente no seu local de trabalho, o táxi, que procura ser solidário, dia após dia.
Com a Classe FM ou a Antena 2 sempre sintonizadas, é através da música clássica ou do jazz que «transporta» o passageiro - para ele a palavra cliente não existe - para outra dimensão. Como no início do namoro, também aqui a música marca a diferença na relação que se estabelece entre duas pessoas.
«Há quem prefira ir calado. A saborear a música. Outros encontram neste ambiente acolhedor e inesperado o local ideal para desabafar», conta Artur, revelando toda a sua sensibilidade para com quem se sente carente. O sorriso sempre nos lábios e o olhar atento no espelho retrovisor convidam à confidência.
E é no Natal e na Páscoa que as sensibilidades mais se manifestam e a carência mais aperta. Artur, pelo menos, pensa assim. Daí ter surgido a ideia de, nessas datas, dar algo a quem, por um motivo ou outro, lhe toca o coração. Um acto que já lhe proporcionou «uma boa carteira de passageiros e sobretudo de amigos». E de namoradas? «Não, isso nunca aconteceu.»

(«Diário de Notícias», 14 de Fevereiro de 2006)