O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

16.3.06

Domingo, oito da manhã, junto à discoteca Kremlin. Vêm bem-dispostos, brincam com o motorista. O destino inicial era Queluz, mas a meio do percurso ele pede-me para passar pela Buraca. Não estranhei, apesar de já estar alertado para o «truque»: o nome «Cova da Moura» é proibido para os taxistas. Chegados à Buraca, então sim, ele diz-me que precisa de ir a casa dos pais, na Cova da Moura, seguindo depois para Queluz.
Ela tem bom ar, inspira-me confiança; ele nem tanto. Primeiro brincou comigo, depois revelou-se agressivo nas palavras, mas nada de grave.
Sou alérgico a discriminações de qualquer espécie, mas reconheço que não posso ser inconsciente. E fui! Entrei na Cova da Moura, um dos bairros de maior risco dos arredores da capital. Senti que tudo poderia acontecer-me. Apenas o olhar da rapariga me transmitia alguma calma. Primeiro, ele disse-me para aguardar uns minutos, enquanto ia a casa dos pais; depois foi mais acima, numa rua estreita. Aguardei! Às tantas, senti movimentos estranhos na rua, grupinhos de miúdos («capitães de areia»?) a movimentar-se. Pensei: «tens de zarpar daqui o mais depressa possível!»
A rapariga, sentada no banco de trás, parecia tão amedrontada quanto eu. Disse-lhe: «Vou arrancar! Quer seguir ou fica?» Ela compreendeu o meu estado de espírito. Medo! Pagou-me os sete euros da «corrida» e saiu. Fechei as portas do «190» e zarpei rua abaixo, rumo à Buraca. Só parei na Estrada de Benfica, no Califa, para tomar um cafezinho...