A vingança do javali

Mas o personagem principal desta estória não é um cão. É uma espécie de filho-pródigo que em tempos regressou à região da Beira Baixa (por pouco tempo, porque os incêndios encarregaram-se de o dizimar) – o javali!
Andava toda a gente excitada com o raio do porco-bravo, que dá cabo das colheitas e... tem uma carne de bradar aos céus! Havia quem não dormisse noites inteiras à espera do javardo, aguardando-o nas veredas que dão acesso às hortas, em silêncio e de espingarda em riste, mas o bicho, matreiro, nunca aparecia nas noites «certas», esquivando-se como só ele sabe. E quando um era apanhado havia festa de arromba, só entre amigos, porque era proibido caçar tais bicharocos sem ser em montarias.
O Eduardo – mestre na enxertia de cerejeiras, videiras e tudo quanto dá fruto, para além de conhecer todos os segredos ancestrais das lides da lavoura – regressava a casa de moto, após o dia de trabalho. Estava lusco-fusco e numa recta que parecia não oferecer o mínimo perigo, aconteceu o imprevisto: o javali, enorme e cansado de tantas armadilhas, resolveu atacar o pacato motoqueiro. O Eduardo ficou estatelado no alcatrão com uma clavícula partida e várias outras escoriações. O bicharoco, indiferente, continuou o seu caminho, como que vingado das muitas partidas que o bicho-homem lhe pregara.
O feitiço virou-se contra o feiticeiro e o pobre do Eduardo, cheio de mazelas e com a moto escavacada, ainda lamentava: «Se ao menos conseguisse apanhá-lo! Sempre eram 50 quilinhos de carne boa e limpa...»
<< Página inicial