O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

21.12.06

A poesia do futebol

[«Eles ganham mas à vezes perdem. Eles vivem mas às vezes morrem. Sempre que sofrem um golo impossível, sempre que no último minuto se deixam bater e um resultado muda, é uma pequena morte. Um esquecimento negro esconde no olhar dos adeptos todas as defesas, todas as intervenções positivas dos restantes minutos.»]

«Os Guarda-Redes Morrem ao Domingo» é um livro de José do Carmo Francisco, escritor que tem no futebol uma das suas fontes de inspiração. A exemplo do norte-americano Ernest Hemingway, que fez de Espanha a sua segunda pátria e escreveu sobre as corridas de toiros, também José de Carmo Francisco conheceu a natureza profunda desse outro «ritual» que é um jogo de futebol, identificando-se com o jogador, assimilando-lhe a glória e a tristeza e transformando-as em poesia, «obrigando-nos» a uma reflexão sobre a própria vida. «Durante uma corrida sinto-me muito bem, tenho o sentimento da vida e da morte, do mortal e do imortal. Terminado o espectáculo, sinto-me muito triste, mas maravilhosamente bem», escreveu Hemingway, simbolizando nas corridas de toiros o conflito do homem com a morte.
Manuel Alegre, também autor de belos poemas sobre o futebol e os seus principais intérpretes, traçou assim o perfil de José do Carmo Francisco: «É um dos raros poetas portugueses que foram capazes de perceber a poesia do futebol. O primeiro poema que li dele, belíssimo, foi sobre Manuel Fernandes. Como Drumond de Andrade ou Cabral de Melo Neto, José do Carmo Francisco quebrou o tabu e o preconceito. Num tom por vezes coloquial, com um lirismo quase pudico e um sábio prosaísmo, ele sabe transmitir-nos o mistério e a magia do jogo, a festa e a tristeza, a angústia, a ânsia. É um excelente poeta que captou o essencial da poesia moderna e trouxe à nossa literatura um dado novo: a poesia do futebol. O ‘Mito de Pepe’ ou ‘Vasco em Elvas – 1946’ (ano em que o Belenenses foi campeão) são grandes poemas que merecem figurar em lugar de destaque em qualquer antologia da poesia portuguesa.»
Sportinguista, José do Carmo Francisco acompanhou durante vários anos o futebol jovem dos «leões» e escreveu, semanalmente, crónicas no jornal do clube, além de ter colaborado em A BOLA. «Todos jogamos para não morrer, todos escrevemos para não morrer. Para mim, desde sempre e talvez para sempre, futebol e poesia são dois ramos da mesma árvore.»

PS – Já não é a primeira vez que falo de José do Carmo Francisco, amigo de longa data. Só agora descobriu «o fogareiro» e teve a gentileza de me enviar alguns poemas e textos inéditos. Este «cantinho» fica mais rico, e de que maneira!, com tão preciosa colaboração.
Obrigado!