O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

29.12.06

Taxista é um repórter à solta na cidade. Pela minha parte, gosto de captar o «momento», o cliente que acrescentou algo à «corrida». Transporto dezenas de pessoas diariamente, mas só registo os factos que me deixam a pensar «naquela» viagem. A grande maioria, volvidos escassos minutos, perde-se na minha memória. Como é natural!
Não sou louco! Nas últimas semanas foram assaltados vários taxistas, todos por gente de origem africana. A «coisa» está a ficar feia e compreendo a reacção de muitos camaradas que trabalham à noite e se recusam a transportar «negros», mas custa-me aceitar a discriminação. O mesmo se passa em relação à comunidade cigana, também considerada de risco.
Hoje transportei um cidadão cigano ao Hospital de São José. Veio do Montijo, visitar um tio algarvio que foi internado de urgência, com o rosto desfeito, em consequência do coice de um cavalo. A situação era dramática para o meu cliente. Tentei confortá-lo, mas ao mesmo tempo senti (sem o mostrar) enorme prazer ao ouvi-lo falar da «desgraça» que aconteceu ao seu familiar, por quem revelou muito carinho. Não um «prazer» de gozação (seria incapaz desse sentimento mesquinho), mas pela forma como ele se exprimia. Gosto daquele jeito cigano de falar e de dramatizar as situações...