O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

5.1.07

O admirável mundo novo

Somos surpreendidos, na Internet, com textos anónimos muito bonitos, como aquele que reproduzo a seguir (com a devida vénia...), extraído do «Sublimações». Nada dispensa a leitura de um bom livro, para mais a seguir a um «ensaio de bom sexo»... Gosto, acima de tudo, da forma arejada e sensual como a «cokas» se exprime. Que pena ter interrompido o blog!

Após um ensaio – ou remake – de bom sexo, nada melhor do que um cigarro a consumir-se em longos e preguiçosos travos, que levam a amálgama de veneno e bem-estar ao mais fundo dos pulmões e da alma. Esse é o cliché a que muitos recorrem para expressar a satisfação após o prazer, a continuidade de um gozo efémero, condenado que está a finar-se no exacto momento em que se liberta, e sempre me suscitou uma mistura de curiosidade e entejo. Porém, a minha perpetuação das delícias sexuais não passa por aspirar languidamente oito centímetros de nicotina e alcatrão.
Descobri, no outro dia, depois de ser despertada por uns minutos magníficos de sexo, que a volúpia desses fugazes instantes, suspensos na eternidade da memória, pode perdurar numa intoxicação muito mais saudável, ainda que sôfrega. Estava eu ali, prostrada no meu parceiro específico, já despojada e desabitada, as mãos húmidas, os dedos entrelaçados, a respiração a tentar reencontrar o seu ritmo, o suor a evaporar-se no ar quente que embaciava os vidros das janelas, quando, de repente, o olhar acompanhou o movimento da cabeça e detiveram-se ambos na mesa-de-cabeceira. No meio de alguns acessórios de invocação a Eros e a Psique, adquiridos na Ann Summers da Brewer Street, lá estava ele, deitado, sossegado, testemunha dos nossos arrojados movimentos, dos nossos inebriantes gemidos, da nossa linguagem livre de amantes vorazes. E, num ímpeto, veio aquele desejo imoderado de mergulhar no Equador, de devorar mais cinquenta páginas de uma assentada. E foi o que fiz. Estendi o braço e resgatei o Luís Bernardo, conduzindo-o até junto do meu peito, já estrategicamente coberto com uma ponta do lençol, amarrotada e húmida.
Desde então, as minhas exigências literárias lascivas aumentaram e os livros aos quais permito entrada no quarto têm de estar à altura do meu companheiro e da partilha de afectos. Porque o erotismo contagia e é contagiado, numa espiral de captura perfeita.