O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

21.3.07

Estou em Belém e respondo a uma chamada da Rádio Táxis. Dirijo-me à cafetaria do Museu da Marinha, junto à explanada. Aguardo uns minutinhos e... nada! Decido entrar e perguntar se conhecem o sr. António Ramos. «Conheço! É aquele senhor que está ali sentado.» Fixo o rosto e não me é estranho – só pode ser o poeta António Ramos Rosa! «É ele mesmo», confirma a funcionária, ao mesmo tempo que se dirige à mesa: «Sr. António, o táxi já chegou!»
[Em tempos, era eu menino e moço, uma amiga introduziu-me no universo poético de Ramos Rosa. Nunca mais lhe perdi o rasto... ]
Viagem curta até à Praça Diu, no Restelo, onde Ramos Rosa vive com a esposa, num lar da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Que sensação, conhecer e transportar um grande poeta português que muito admiro! Agora estamos ali, sozinhos no carro, e nem sei bem o que dizer-lhe...
Ramos Rosa não é «pássaro» de gaiola. Quase todos os dias, à tarde, «voa» até à cafetaria do Museu da Marinha. Faz-se acompanhar de um saco com livros e é ali, naquele espaço simpático, que passa parte do tempo. No dia anterior, esqueceu-se de um livro no táxi – um livro importante que está a ler, de um crítico literário francês. O taxista foi devolver-lho e esse gesto deixou o poeta emocionado. Diz-se cansado. Afinal, passa as noites a ler e a desenhar. Depois da meia-noite, quando o silêncio convida a todas as reflexões.
«Gosto muito da sua poesia. E conheço alguns versos de cor...», arrisquei, já na praça que dá acesso ao lar (não cobrei um cêntimo pela viagem... Era o que faltava!). Os seus olhos azuis ficam ainda mais penetrantes. Agita-se no banco de trás: «Não se importa de me acompanhar. Tenho um desenho para lhe oferecer...»
Hesito, mas perante a insistência do poeta e o consentimento da funcionária do lar, lá vou até ao quarto – um espaço digno e amplo com vista para o jardim, uma mesa redonda e livros, muitos livros e desenhos. Senta-se numa cadeira; eu sento-me num sofá. Retira o desenho de uma pasta, escreve uma dedicatória («na alegria deste encontro») e diz-me: «Isto não é um Picasso...; é um simples desenho criativo.»
Agradeci-lhe, comovido, e prometi levar-lhe uma caneta igual àquela com que escreve uma letra miudinha. Hoje não cumpri a promessa, porque é Dia Mundial da Poesia e Ramos Rosa esteve em Odivelas, na inauguração de uma exposição com os seus desenhos. Mas lá estarei com a «tal» caneta especial que brota poesia.