O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

18.3.07

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

Eugénio de Andrade

Pessoa amiga morreu esta semana num brutal acidente, na Beira Baixa. Estive no funeral e ainda não recuperei do choque. Estes foram dias em que vagueei pela cidade imbuído de pensamentos obtusos, sem disposição emocional para captar as estórias que alimentam este blogue.
Quando assim acontece, refugio-me na poesia de Eugénio de Andrade. Sempre! E também não dispenso José Bação Leal: «Estou bêbedo de tristeza. Desejaria que a noite fosse eterna, que o céu sorrisse pela boca das estrelas... Seria pedir de mais, eu sei. O meu destino não deve comportar desejos etéreos – resta-me converter a dor ao credo das palavras. ‘Tudo, menos a piedade…’, diria o Álvaro de Campos. E diria certo. Mas, às vezes, o coração contorce-se e é necessário sangrar.»

PS – Li numa revista a palavra «catrapiscar» (namorar, piscando o olho) e gostei. Há palavras bonitas que se perderam com o tempo.