O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

26.6.07

Um dia em cheio, não em termos de «folha» (normal), mas de comunicação com gente das mais diferentes condições. Começo na praça do Hotel Altis, transporto dois estrangeiros ao Tagus Park, nada de especial, a não ser o regresso à capital, sempre difícil àquela hora da manhã. Congresso internacional de cardiologia na antiga FIL, na Junqueira. Um-ver-se-te-avias a transportar médicos de regresso aos hotéis. Pergunto a dois espanhóis se o congresso trouxe melhorias para o nosso coração, dizem-me que sim, que há sempre novidades. E logo um deles põe o dedo na ferida: «Usted fuma?!»

Xabregas. Transporto um casal de idosos ao Hospital Pulido Valente. Ele (Augusto) já ultrapassou os 90 anos, mas revela grande lucidez e razoável mobilidade; ela (Isaura) tem mais dificuldade em movimentar-se. Vivem sozinhos e o familiar mais chegado, um sobrinho, está internado com doença grave. Ajudo-os a entrar e a sair do carro. Quando estou a despedir-me, ele quer gratificar-me, já depois de me ter pago a «corrida». Perante a minha recusa, ela insiste: «Aceite! O senhor foi tão amável...»

Praça do aeroporto (partidas). Casal turco está em trânsito para Bragança, a fim de participar numa conferência no âmbito da União Europeia, e dispõe apenas de duas horas para visitar o «centro» de Lisboa, a «parte antiga». Falam francês e dou a voltinha habitual: alto do Parque Eduardo VII, Avenida da Liberdade, Rossio, Rua do Ouro, Terreiro do Paço, Castelo de S. Jorge, Miradouro de Santa Luzia... Gastamos hora e meia e... sem visitar os Jerónimos. Não pode ser! Convenço-os a seguir por Belém, rumo ao aeroporto.
«Teshekkur» (obrigado em turco).
PS – Tempo para falar do difícil processo de adesão da Turquia à União Europeia. «É uma questão essencialmente política!», defende o meu cliente.

Praça do Hotel Continental. Tem 50 e poucos anos (deduzo), é advogado e foi «mordido» por cancro nos pulmões. «Fumava mais de dois maços de cigarros por dia e agora estou fodido...» Sinto um arrepio (sou fumador!), mas tento dar a volta ao «texto», de forma a desanuviar o ambiente. Despeço-me e... dou por findo o dia de trabalho. Uff!!!