O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

25.9.07

Sai de um hotel cinco estrelas de Lisboa e entra no táxi. São dez horas da noite. Elegante, a jovem de origem africana pede-me para transportá-la a Sacavém, junto ao supermercado Lidl. É proibido dizer a um taxista, à noite, para ir à Quinta do Mocho; ou à Cova da Moura. Os clientes já sabem e pedem para ficar em locais referenciados: supermercados Lidl ou bombas da Repsol.
Fala ao telemóvel com uma amiga. E conta-lhe, baixinho, como correu a noite no hotel cinco estrelas.
«Quer mesmo ficar junto ao Lidl?», pergunto-lhe.
«Querer, não quero, mas como já sei que os taxistas não vão lá acima...»
«E não tem medo de ser assaltada?», provoco-a.
«É mais fácil assaltarem-no a si do que a mim...», replica.
«Também acho... Mas vou arriscar... Levo-a lá acima... Custa-me deixá-la, sozinha, num ermo destes...»
Respiro fundo. Confio no Mercedes 200 e transporto a cliente bem ao coração de um dos bairros mais problemáticos (perigosos?) dos arredores da capital.
«É corajoso!», diz-me, na despedida.
«Corajoso? Nem imagina como estou cheio de medo!», confesso-lhe.
Meto uma mudança forte, tranco o carro e arranco em direcção ao aeroporto. Conto a «aventura» a um taxista amigo e ele nem me deixa terminar: «És louco!»

PS – Penso que não serei assim tão «louco»... Na Quinta do Mocho moram essencialmente emigrantes africanos, gente de trabalho, nas obras e nas limpezas. Também existe marginalidade, claro!, mas àquela hora ainda havia movimento nas ruas e deduzo que o facto de um taxista entrar no bairro, transportando um dos seus moradores, é sinónimo de respeito. Isto sou eu a pensar agora, à distância...