O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

10.10.07

Essa palavra «gravata»

Com dois taxistas na família (o meu sogro João Ribeiro e o meu pai José Francisco), lembro-me bem dos tempos em que usar gravata, na praça, era tão obrigatório como usar boné de pala. Pessoalmente sempre detestei a gravata, que era obrigatória no Banco Português do Atlântico, onde comecei a trabalhar no dia 9 de Setembro de 1966. Lembro-me bem de dizer, alto e bom som, no bar de sargentos do Quartel de Engenharia da Pontinha, que o 25 de Abril não era só política, mas também servia para eu deixar de usar a gravata no banco.
Quanto ao boné, não me esqueço de que em 1966 entrei no Cinema Monumental pela «porta do cavalo», com um boné emprestado pelo João porteiro (que era também chófer), e lá vi o filme «Doutor Zhivago» de graça. Ainda hoje me lembro do tema de Lara e dos pés dos cavalos da polícia do czar contra as caixas, os tambores e as tarolas da banda que acompanhava a manifestação pacífica.
Mas vamos à palavra gravata. No reinado de Luís XIV, o seu Real Regimento Croata ressuscitou o antigo «cachecol» romano que se chamava «focale». Usavam o «focale», em Roma, os doentes e os recitadores e, de um modo geral, os cidadãos de saúde frágil. O Rei Sol gostou da prenda que veio da Croácia e a palavra «croate» corrompeu-se mais tarde em «cravate». Entre nós ficou gravata e em Espanha corbata.
Pela minha parte, uso-a apenas em último caso: nos casamentos só durante a cerimónia, para não parecer mal. Findo o cerimonial do enlace, guardo-a de imediato no bolso e aí permanece até ao próximo.

José do Carmo Francisco