O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

10.12.07

António Martins, o jornalista que gostava de Vermeer

Pausa para tomar um cafezinho com o amigo José do Carmo Francisco, num novo espaço da Rua da Rosa (Bairro Alto), um bar simpático recheado de poesia. As conversas são como as cerejas e às tantas estávamos a recordar um amigo comum, o jornalista António Martins, recentemente falecido. O texto que se segue é da autoria de JCF, em homenagem ao amigo desaparecido.

A morte de um jornalista não é notícia. A menos que tenha ganho um Pulitzer, mas então passou a ser uma personalidade. Mas há excepções. Morreu o António Martins, um homem que, com 79 anos, passou por todas as tecnologias, por todas as redacções, por todas as modalidades. Trabalhei com ele entre 1996 e 2006, no «Sporting». Mas já o conhecia de «O Século», do «Diário Popular», de «A Bola», do «Record».
Tenho uma história passada com ele numa manhã em Barroca de Alva. Eu estava num Sporting-União de Leiria do Nacional de juvenis, ele estava num jogo do campeonato distrital. No intervalo fui espreitar o jogo do Nacional de iniciados e o jornalista tinha faltado. Liguei-lhe para o telemóvel e não atendeu. Pensei logo no pior, um acidente, um problema de saúde. Não respondia. O Martins fez o seu trabalho e veio à sala de imprensa para saber o meu resultado. Viu a minha cara, achou muito estranho o que se estava a passar. «Vamos desenrascar isso!», foi a sua resposta. Saiu disparado e foi ao autocarro do Estoril-Praia. Minutos depois tinha a ficha do jogo, dada pelo delegado dos «canarinhos». Foi comigo à cabina do Sporting e arranjou a ficha do delegado do Sporting. O treinador contou o jogo e nós fizemos a crónica que assinámos em equipa. Os leitores não tinham culpa de que o jornalista tivesse adormecido.
A segunda história tem a ver com uma entrevista que lhe fiz em 2005. Houve quem achasse insólito o seu gosto pela pintura de Vermeer. Adorava «O soldado e a mulher risonha». Um jornalista desportivo tem o direito de gostar de pintura como qualquer outra pessoa. Gostar de Vermeer só lhe ficava bem.
Hoje vai ser cremado. Está uma bela manhã de sol. Não é a luz do mestre de Delft, mas é também uma luz feliz, uma luz que aquece o rosto e ajuda a doirar as lágrimas dos seus amigos.

José do Carmo Francisco