O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

27.2.08

CEMISTÉRIO

Aqui se fixam as diferenças
até na morte como mercadoria.

Dinheiro em pedra nos jazigos;
campas pobres só com a terra
– por detrás dos muros, prédios,
vozes, gente que faz barulho
e estende roupa para este sol.

Pode chegar-se aqui de táxi
ou também de autocarro.

Nas flores mais secas
se vai perdendo a luz.
Outras memórias, palavras,
São o lixo deste dia.

Um tempo para dizer este tempo
quando o relógio se cansa
e perde os ponteiros do coração,
um tempo para lembrar
as flores tão verdadeiras
num frasco de tofina bem lavado.

Outras facturas, outro dinheiro
se perdem nesta morte a prazo.

Morre-se também na tarde,
perguntando sempre à morte
qual a diferença de luz
entre o mármore e a terra.
José do Carmo Francisco