O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

14.2.08

Dança comigo (sobre um óleo de António Carmo)

Não sei dançar. Nunca senti no meu corpo o motor do ritmo, a locomotiva que prolonga e amplia, nos salões ou nos jardins, a alegria de uma música vivida a dois.

Não sei dançar. Nem sei se alguma vez entrarei na difícil empresa de celebrar uma festa situada entre os pés ligeiros, soltos, e o olhar que os comanda, firme.

Não sei dançar. Nunca dancei mas, ao ver o teu olhar dentro da luz do óleo de um quadro, entre a casa à direita e a árvore à esquerda, com a viola campaniça ao centro, então, só então, sabendo que és mesmo tu, serei capaz de, tímido e receoso, te pedir em voz muito baixa: «Dança comigo!»
Não, como é lógico, para dançar mas, apenas e só, para juntar as minhas mãos às tuas e, em silêncio, esperar que a música da viola campaniça atravesse toda a linha do horizonte da planície e venha depositar a teus pés todo o perfume das searas e da terra.

José do Carmo Francisco