O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

29.8.09

«Ostinato rigore»

Toda a manhã procurei uma sílaba.
É pouca coisa, é certo: uma vogal,
uma consoante, quase nada.
Mas faz-me falta. Só eu sei
a falta que me faz.
Por isso a procurei com obstinação.
Só ela me podia defender
do frio de Janeiro, da estiagem
do verão. Uma sílaba.
Uma única sílaba.
A salvação.

Eugénio de Andrade

Ler ainda é o melhor remédio para as insónias, mais na aldeia beirã, onde as noites duram uma eternidade. Levo sempre uns tantos livros na bagagem (servem-me de âncora), mas raramente consigo lê-los até ao fim. Desta vez, porém, foi fácil terminar um pequeno livro de Miguel Sousa Tavares («No Teu Deserto»). Uma história bem construída sobre a sua aventura no famigerado rali Paris-Dakar.
Miguel Sousa Tavares é imaginativo, consegue boas histórias. Li parte do «Equador», mas não tive estofo para chegar ao fim. Li «Sul» e apreciei as suas crónicas. Apenas um senão: alguma falta de rigor na construção das frases, na escolha das palavras certas. Fica a ideia de que ele escreve de jacto, ao sabor da sua fértil imaginação; que não volta atrás para burilar a escrita, como faziam Hemingway, José Cardoso Pires, Eugénio de Andrade...
Apesar de tudo, valeu a pena «viajar» com MST nas areias do grande deserto africano.