O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

9.10.13

ANTÓNIO RAMOS ROSA

António Ramos Rosa faleceu. Não vou falar sobre a sua poesia, que muito admiro (há gente muito mais habilitada para o fazer...). Apenas dar conta, em jeito de homenagem, do meu breve encontro com o Poeta: Estou em Belém... e dirijo-me à cafetaria do Museu da Marinha, junto à explanada. Aguardo uns minutinhos e... nada! Decido entrar e perguntar se conhecem o sr. António Ramos. «Conheço! É aquele senhor que está ali sentado.» Fixo o rosto e não me é estranho – só pode ser o poeta António Ramos Rosa! «É ele mesmo», confirma a funcionária, ao mesmo tempo que se dirige à mesa: «Sr. António, o táxi já chegou!» Viagem curta até à Praça Diu, no Restelo, onde Ramos Rosa vive com a esposa, Agripina, num lar da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Que sensação, conhecer e transportar um grande poeta português que muito admiro! Agora estamos ali, sozinhos no carro, e nem sei bem o que dizer-lhe... Ramos Rosa não é «pássaro» de gaiola. Quase todos os dias, à tarde, «voa» até à cafetaria do Museu da Marinha. Faz-se acompanhar de um saco com livros e é ali, naquele espaço simpático, que passa parte do tempo. No dia anterior, esqueceu-se de um livro no táxi – um livro importante que está a ler, de um crítico literário francês. O taxista foi devolver-lho e esse gesto deixou o poeta emocionado. Diz-se cansado. Afinal, passa as noites a ler e a desenhar. Depois da meia-noite, quando o silêncio convida a todas as reflexões. «Gosto muito da sua poesia. E conheço alguns versos de cor...», arrisquei, já na praça que dá acesso ao lar. Os seus olhos azuis ficam ainda mais penetrantes. Agita-se no banco de trás: «Não se importa de me acompanhar. Tenho um desenho para lhe oferecer...» Hesito, mas perante a insistência do poeta e o consentimento da funcionária do lar, lá vou... Um espaço digno e amplo com vista para o jardim, uma mesa redonda e livros, muitos livros... Retira o desenho de uma pasta, escreve uma dedicatória («na alegria deste encontro») e diz-me: «Isto não é um Picasso...; é um simples desenho criativo.» Agradeço-lhe, comovido, e prometo levar-lhe uma caneta igual àquela com que escreve uma letra miudinha. Uma caneta especial que brota poesia...