O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

19.8.10

Valha-me Sigmund Freud!

Não é da idade, juro, esta sina de me esquecer dos nomes das pessoas. Fixo as caras, os locais, mas quanto a nomes... nada! Ainda adolescente, li um ensaio de Freud («Psicopatologia da Vida Quotidiana») em busca de resposta. Pouco entendi! Feito adulto, reli-o, pensando que derivasse da verdura juvenil a minha incapacidade de alcançar luz sobre a leitura freudiana. Continuei na mesma, como igual permanece esta minha fraqueza. Num restaurante, surge alguém que não vejo há anos; no cinema, cruzo-me com uma cara bem conhecida – mas o nome não me ocorre.
Pessoa amiga já sabe que o truque é afastar-se discretamente por uns instantes, para eu não ter de apresentá-la, porque passados uns segundos a imagem vaga começa a delinear-se-me em contornos claros... e o nome estala! Outras vezes demora mais tempo. Não raro surge quando vou a conduzir ou antes de adormecer.
Já percebi que tem a ver com o contexto. Se em Lisboa encontro alguém que conheci no Algarve ou em Montes da Senhora se me depara um sujeito que encontrei em Castelo Branco, fico despistado. Há tempos, num restaurante do Bairro Alto, dei comigo a conversar com um personagem familiar. Foi o meu último acidente! O seu nome ficou-me encalhado num neurónio qualquer... Eu dava voltas ao miolo para encontrar uma saída e arrisquei: «Olha o Carvalho Araújo!» Ele veio em meu socorro: «Acho que estás a fazer confusão... Carvalho Araújo é o nome de uma rua ali para os lados da Praça do Chile. Eu sou o... Carvalho dos Santos!»
Fiquei aborrecido e revelei-lhe esta antiga falha de um fusível na minha memória. Que se mistura, por vezes, com outra deficiência: perder-me nos parentescos. Quando me dizem que X é sobrinho-neto do pai de Y, boa noite! Quando a minha mãe me diz que faleceu o fulano tal que era casado com a fulana tal, primo de não sei quem, e se põe a dissertar sobre as ligações genealógicas... mudo de assunto!
Valha-me Sigmund Freud!