O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

27.10.07

Cimeira UE-Rússia. Logo pela manhã, no Hotel Altis, um jornalista espanhol da agência EFE pede-me para transportá-lo a Mafra. Sigo o percurso normal, em direcção à A8, mas depara-se-me enorme fila de carros, a seguir à Calçada de Carriche. Passo de caracol até Loures, onde um polícia me informa de que a auto-estrada está cortada ao trânsito, por razões de segurança, para dar passagem à comitiva do sr. Putin, presidente da Rússia. A alternativa é seguir pela estrada antiga (Venda do Pinheiro, Lousa, Malveira...). Sigo o conselho do agente, mas o fluxo de trânsito é de tal ordem que demoro duas horas a chegar ao destino... Pergunto: é preciso tanto aparato para realizar uma cimeira desta natureza? Não haverá locais mais adequados (sossegados), sem a confusão de uma grande cidade em hora de ponta?

19.10.07

Orgulho ferido

Apetecia-me pedir aos administradores do aeroporto da Portela que não deixem de visitar a sua casa, o nosso aeroporto. Não sei se visitam. Sabemos que ele é pequeno, que os corredores para as gates são mudados frequentemente, que inauguraram um barracão indigno e humilhante para os voos domésticos, que as malas demoram muito a chegar. Mas peço-lhes que visitem o aeroporto, a sua casa, o nosso aeroporto.
Por exemplo, o que pensam de chegar a Portugal, num voo nocturno, e ter vontade de ir à casa-de-banho, à primeira delas para quem vem do espaço internacional? Eu digo-lhes: às onze da noite, o chão está imundo (escuso de dizer «de quê»), não há sabonete líquido nem toalhetes de papel, há um lago no meio, um mau cheiro que não vale a pena descrever, as portas estão sujas, os azulejos estão sujos. Está bem; sou português, conheço a Pátria, limito-me a protestar, penso em escrever uma carta à administração da ANA, ou da Groundforce, ou da TAP, já não sei. Mas um cidadão que apanha um voo em Paris, em Amesterdão, em Frankfurt, no Rio de Janeiro, em Nova Iorque, em Caracas – chega e vê isto. Não sei se merece, não sei se merecemos. Mas, diante disto, desta imagem de casa de horrores, suja, nojenta, peço que o aeroporto passe a ser considerado área prioritária do ministério dos Negócios Estrangeiros, do Turismo de Portugal, do ICEP, da Direcção-Geral de Saúde e da ASAE. Não podem promover-se o Allgarve e as belas imagens da publicidade que está colocada na imprensa estrangeira, e depois manter as casas-de-banho do aeroporto neste estado. Não pode manter-se o hall de chegadas como se fosse um cenário para filmes de pós-tragédia, onde se fuma nos locais proibidos, onde o lixo transborda dos cestos, para não falar dos táxis que (emboram tenham melhorado o seu serviço) continuam a receber mal. A receber mal quem nos visita, exactamente.
Não, não é provinciano, isto. É orgulho ferido. É ter pena que «a nossa casa» (a casa dos administradores do aeroporto de Lisboa) esteja suja, desleixada e tudo isso. O estado das casas-de-banho é um escândalo. Eu proponho que, à boa maneira americana ou alemã, os administradores dêem um passeio pelas casas-de-banho por volta das dez da noite e recebam os turistas, os visitantes, os passageiros. Que tomem nota e se envergonhem. Não deixem a vergonha toda para nós.
Francisco José Viegas («Origem das Espécies»)

Muito se escreveu já sobre a Guerra Colonial. António Lobo Antunes, Manuel Alegre, João de Melo, Fernando Assis Pacheco, Pepetela..., estes alguns dos escritores que nos transmitiram a sua visão sobre a mesma. Agora surge uma grande reportagem assinada por Joaquim Furtado, cujo primeiro (de 18) episódio passou na última terça-feira à noite na RTP1. Vi-o com muita atenção e fiquei a conhecer «coisas» novas sobre uma guerra em que também participei. Um trabalho jornalístico (histórico) de grande fôlego!
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Évora, 1972. Sai a lista de mobilizados para a guerra colonial. Angola, Moçambique, Guiné... Cabe-me esta última na lotaria. Na altura, tinha a ideia de que ser mobilizado para a Guiné era como que um passaporte para a morte. E, em certa medida, era verdade. Eu, o Moreira e o «Pica» jantámos no Café Arcada. A seguir mandámos vir uma garrafa de uísque (guardo foto desse momento) e conversámos toda a noite sobre o nosso destino de futuros combatentes coloniais. O Moreira tinha já uma boa «bagagem» política e foi categórico: «Não vou para Moçambique!» E não foi! Zarpou para França, a «salto», onde uma irmã lhe deu guarida. O «Pica» rumou a Angola, onde viria a morrer. Por mim...
... Tinha alguma consciência política da situação do país, até pelo facto de trabalhar num meio (um jornal) onde abri os olhos para o Mundo. Vi textos cortados pela Censura; li alguns livros proibidos da época; ouvi as canções do José Afonso; escutei conversas de antifascistas que se «soltavam» nas tertúlias do Bairro Alto, na altura poiso de jornalistas e escritores. E fiquei a pensar na frase do Moreira («Não vou para Moçambique!»)... Também quis dar o salto. Contactei pessoa que vivia em Paris e... fiquei a aguardar. Até hoje!
Como eu, milhares de jovens não «vestiram a camisola» naquela guerra. Estávamos lá e não estávamos... Num beco sem saída, num Portugal «sucessivamente adiado» e sem um deus qualquer que nos valesse...

17.10.07

Respondo a uma chamada da Rádio Táxis, na zona de Alvalade. Dirijo-me a uma residência que me é familiar, onde me espera uma pessoa que conheci há largos anos, era eu menino e moço. Hesito, mas às tantas arrisco: «Conheço a senhora... É a esposa de Carlos Pinhão!» Foi o pretexto para uma longa e agradável conversa que teve como pano de fundo o grande jornalista e escritor com quem tive o privilégio de conviver, durante muitos anos, em A BOLA. Noto que Lucília (Cilinha, como é carinhosamente tratada pelos amigos) tem um brilhozinho nos olhos quando lhe falo da enorme admiração que tenho por Carlos Pinhão, já falecido. Ai que saudades, ai, ai...

10.10.07

Casal de brasileiros para transportar à estação de comboios de Sete Rios. Mas o trânsito está caótico e perguntam-me quanto custa a viagem até Sintra. Deitam contas à vida e decidem-se pelo táxi. Os brasileiros têm fama de forretas, entre os taxistas. Pagam o valor certinho do taxímetro (a mais não são obrigados...) e aguardam pelos cêntimos dos trocos. Lá terão as suas razões...
Ora vamos lá a ver: hoje, dia 10 de Outubro, cada euro custa (câmbio oficial) 2,5551 reais! Dá que pensar! E eles pensam...
Também o dólar está muito inferior à moeda europeia (1,4146). Há dias, um cliente deu-me dez dólares para pagar uma corrida de oito euros e tal. Fui cambiar a notinha e... fiquei a perder.

Essa palavra «gravata»

Com dois taxistas na família (o meu sogro João Ribeiro e o meu pai José Francisco), lembro-me bem dos tempos em que usar gravata, na praça, era tão obrigatório como usar boné de pala. Pessoalmente sempre detestei a gravata, que era obrigatória no Banco Português do Atlântico, onde comecei a trabalhar no dia 9 de Setembro de 1966. Lembro-me bem de dizer, alto e bom som, no bar de sargentos do Quartel de Engenharia da Pontinha, que o 25 de Abril não era só política, mas também servia para eu deixar de usar a gravata no banco.
Quanto ao boné, não me esqueço de que em 1966 entrei no Cinema Monumental pela «porta do cavalo», com um boné emprestado pelo João porteiro (que era também chófer), e lá vi o filme «Doutor Zhivago» de graça. Ainda hoje me lembro do tema de Lara e dos pés dos cavalos da polícia do czar contra as caixas, os tambores e as tarolas da banda que acompanhava a manifestação pacífica.
Mas vamos à palavra gravata. No reinado de Luís XIV, o seu Real Regimento Croata ressuscitou o antigo «cachecol» romano que se chamava «focale». Usavam o «focale», em Roma, os doentes e os recitadores e, de um modo geral, os cidadãos de saúde frágil. O Rei Sol gostou da prenda que veio da Croácia e a palavra «croate» corrompeu-se mais tarde em «cravate». Entre nós ficou gravata e em Espanha corbata.
Pela minha parte, uso-a apenas em último caso: nos casamentos só durante a cerimónia, para não parecer mal. Findo o cerimonial do enlace, guardo-a de imediato no bolso e aí permanece até ao próximo.

José do Carmo Francisco

5.10.07

É arquitecto e professor de urbanismo na Universidade Lusófona. Fernando Varandas, de seu nome. A viagem foi demorada (Av. 5 de Outubro-Campo Grande-Hospital Egas Moniz, na Junqueira, e regresso ao local de partida) e deu para muitas conversas. Lisboa como tema de fundo. Estou em presença de pessoa conhecedora dos problemas da cidade. Não critica só por criticar... Apesar de maltratada, Lisboa continua a ser uma cidade bonita e apreciada pelos estrangeiros. Nós, por cá, é que andamos distraídos (preguiçosos) e nem sequer visitamos os locais com mais interesse. O Museu de Arte Antiga, por exemplo, ali nas Janelas Verdes. «Vale a pena uma visita, nem que para tal seja preciso viajar desde a Finlândia», diz-me Fernando Varandas.