O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

28.12.05

Se beber... não conduza!!! – VÁ DE TÁXI!!!



UM 2006 EM CHEIO!!! BOAS «CORRIDAS»!!!

Já te conhecia, Lisboa, mesmo antes de ser taxista. Hoje percorro-te as veias, Lisboa, sinto melhor o teu pulsar. Milhares de pessoas invadem-te, Lisboa, logo pela manhãzinha. Parecem formiguinhas, Lisboa, em busca do pão. Ficas mais calma, Lisboa, nos fins-de-semana. És permanentemente esventrada, Lisboa, no Marquês de Pombal e no Terreiro do Paço as tuas feridas tardam a sarar. Roubaram-te o Cais das Colunas, Lisboa, mas tens os Jerónimos e o Castelo de São Jorge. Sinto orgulho, Lisboa, quando os clientes estrangeiros soletram a palavra «Jerónimos». Nesses momentos, Lisboa, sou o teu verdadeiro taxista. Saio do carro, Lisboa, abro-lhes a porta e aponto-lhes a obra-de-arte.
Fiquei a pensar, Lisboa, na reacção daquele estrangeiro quando saiu do táxi. Estava maravilhado, Lisboa, com a beleza dos Jerónimos. Desculpa qualquer coisinha, Lisboa, mas nós por cá, de tão habituados, já nem paramos para te admirar.

27.12.05

A sua voz mantém-se inconfundível, apesar dos oitentas e tais. Reconheci-o imediatamente. Durante a viagem, tempo para recordar amigos comuns, alguns deles já desaparecidos. Falámos do jornalismo desportivo actual, contou-me uma estória deliciosa dos seus tempos da Emissora Nacional.
Dou um rebuçado a quem adivinhar o nome do meu cliente...

«O senhor pode fazer uma perseguição?»

Estava eu numa noite, já indo para casa, quando uma jovem me deu sinal. Com o carro parado, pela janela ela me disse:
– Queria perguntar se o senhor pode fazer uma perseguição... É que eu parei um outro taxista e ele não aceitou!
Curioso, perguntei:
- O que é?
Ela entrou, sentou-se a meu lado e disse:
– Sabe o que é, motorista? Estou precisando de seguir o meu marido!
Disse-lhe:
– Olha, tudo bem! Só não quero confusão prò meu lado.
Ela:
– Tudo bem, para o senhor não vai ter problema.
Disse-lhe:
– Então vamos lá!
Ela, praticamente ajoelhada entre o banco e o painel do carro, pediu para que eu mantivesse o luminoso aceso. Imaginem a cena: a mulher praticamente agachada, aparecendo somente a sua cabeça.
E assim começámos a perseguição, que iniciámos no bairro do Alto da Lapa, pegámos a Rodovia Anhanguera, entrámos no Jardim Sto. Elias e, de longe, começámos a sondar o marido dela, que entrou numa casa com a menina que teria saído com ele juntamente do local onde iniciámos a corrida, ou seja, local onde ele trabalha.
Após alguns minutos de espera, o casal saiu e começámos novamente a segui-los. A próxima parada foi noutra residência, no bairro do Piauí. Nesse local ficámos mais tempo. A mulher traída ficou o tempo todo agachada, mais ou menos uns 15 minutos. Eu, acompanhando a cena, perguntei-lhe:
– Olha, eu não tenho nada com isso, só queria saber: o que você vai fazer?
Ela respondeu-me:
– Podemos ir embora, motorista; o que eu queria descobrir, já descobri.
E continuou:
- Por favor, me leve para a minha casa.
Liguei o carro e levei-a à sua residência (morava no Jardim São Luiz, próximo ao Centro Empresarial Santo Amaro).
Que situação complicada, né pessoal? Pode parecer esquisito, mas aconteceu.

(Texto extraído, com a devida vénia, do blog brasileiro «diário do taxista»)

26.12.05

Cada vez mais, tenho para mim que o interior do táxi é, para muita gente, uma espécie de confessionário. Se ganham a confiança do taxista, essas pessoas expõem-se em demasia, porque necessitam de desabafar. Esquecem-se de que também há taxistas desonestos, aliás como em todas as profissões.
Tenho ouvido falar em «banhadas» de alguns taxistas a estrangeiros que chegam a Lisboa, normalmente no aeroporto. Na semana passada, uma brasileira entra no «meu» táxi e diz-me que deseja seguir viagem para o Porto, a fim de passar o Natal com amigos. Perguntou-me quanto custava ir de táxi, disse-lhe que não tinha a certeza, mas que deveria rondar os 250/300 euros. Achou muito e decidiu ir de comboio. Vinha cansada da longa viagem de avião, mas feliz por estar pela primeira vez em Portugal. Cheia de frio, porque lá no Maranhão as temperaturas chegavam aos 40 graus.
«Então me leva à estação dos comboios.» Imaginei o cenário, se à minha cliente tivesse calhado um dos «tais» taxistas desonestos. Teria dado uma volta tal que a brasileira ficaria a conhecer Lisboa, sem dúvida, mas pagaria conta avultada até chegar ao Alfa com destino ao Porto, em Santa Apolónia.
Não foi o caso! Levei a senhora à estação da Gare Oriente. A «corrida» rendeu pouco, mas a minha consciência ficou tranquila.

***
O sr. João (82 anos) vem vestido a rigor (fato e gravata). É dia de Natal e entra no táxi em Sete Rios. Vem de Sintra, onde mora. «Por favor, leve-me ao Parque Mayer.»
Foi curta a viagem, mas o sr. João estava mesmo a precisar de alguém com quem falar. «Sabe, a minha mulher faleceu há precisamente quatro anos e não consigo estar em casa no dia de Natal. Nunca mais fui o mesmo, desde que ela me deixou. A minha filha quis que eu fosse para sua casa, mas preferi ficar sozinho e vir até Lisboa. Vou espreitar o Parque Mayer. Se conseguir bilhete para uma revista à portuguesa... Se não, dou um passeio pela Avenida, até à Baixa, como um petisco e regresso a casa.»
É gente desta, como o sr. João, que gosto de transportar. Os idosos andam muito de táxi e são os meus melhores clientes. Com eles, o tempo não conta. Ficámos um bom quarto de hora à conversa. Gostei de conhecer o sr. João e tenho a certeza de que ele também conheceu um taxista diferente.

PS – O «meu» táxi, acidentado (ver post anterior), está à porta da oficina, mas entretanto já tenho outra «ferramenta» para trabalhar. Não chega aos calcanhares do «190-2.5», mas serve...

O «meu» Mercedes 190-2.5, muito provavelmente, vai para a sucata. Um acidente estúpido, provocado pelo condutor do turno da noite, em 23 de Dezembro, roubou-me a ferramenta de trabalho – um carro que já não era novo na idade, mas apenas com dois meses de «praça», estimado, com um motor a sério. Dava gosto conduzi-lo, mas teve vida efémera... Ainda não sei se vai ser ou não recuperado. Seja como for, nunca mais será o mesmo.
Há acidentes e acidentes. Neste caso, é imperdoável. O condutor da noite, embriagado, despistou-se a alta velocidade, embateu com a traseira numa árvore, rodopiou e... o carro ficou irreconhecível.
Quando cheguei ao local do acidente e vi o estado em que o carro ficou, apeteceu-me chorar. Quando vi o estado de embriaguez em que se encontrava o meu «colega» da noite, não quis acreditar.
Como foi possível tamanha irresponsabilidade! Para além do prejuízo material, que foi avultado, o meu «colega» da noite talvez já não pertencesse ao reino dos vivos, se tivesse batido de frente. Talvez...
Era novo na firma. Rendia comigo há menos de um mês. Nunca me apercebi de que ele bebia em serviço. Sabe-se, agora, que não foi a primeira vez que conduziu embriagado. Como é possível?!
Receio bem que o meu ex-«colega», um dia destes, apareça por aí a conduzir outro táxi. Não devia ser possível, mas acontece...

24.12.05

FELIZ NATAL

23.12.05

Praça de Santa Apolónia – Ele tem aspecto árabe, barba de oito dias, bem-disposto; ela tem ar nórdico, loira, alta e muito bonita; ele fala português; ela exprime-se em inglês; ele é do Porto, com ascendência em Viseu; ela é australiana. Ele faz-me lembrar Xanana Gusmão (mais novo); ela tem semelhanças com a esposa do Presidente de Timor-Leste, também australiana.
São professores e conheceram-se em Timor. Apaixonaram-se. Ele quis mostrar-lhe as origens. Hoje foi dia de visitar a capital. Vieram no Alfa (do Porto) e têm pouco tempo, porque querem passar a noite de Natal em Viseu, com a família.
Castelo de S. Jorge, Jerónimos, Torre de Belém... Uma «corrida» agradável para o taxista... Mais pela simpatia destes jovens apaixonados.
«Gostou de estar em Timor?», perguntei-lhe. Resposta pronta: «Muito! E ainda mais porque foi lá que conheci a minha namorada...»
Fiquei com saudades deste casal giro. Vida efémera, a de taxista!

Há dias em que mais valia ficar em casa. Hoje foi um deles. Foi preciso «pedalar» muito para chegar ao fim do dia com uma «folha» decente. Ainda para mais, irritei-me com um automobilista e por pouco não lhe preguei um murro. Tive de conter-me, por causa do cliente...
Já se sabe que o trânsito está caótico. Pior ainda quando «certos» automobilistas revelam autêntica falta de civismo e de respeito pelos outros. Circulava na Estrada de Benfica e, às tantas, fiquei impedido de prosseguir por uma carrinha mal estacionada. Quando chegou o condutor da «dita», fiz-lhe ver, de forma educada, que o seu procedimento não tinha sido correcto.
Malcriado, o «dito» disparou: «Fogareiro da m...» Precisei de grande contenção, respirei fundo (levava cliente...) e apenas retorqui: «Fogareiro com muito orgulho, seu atrasado mental.»
É preciso «nervos de aço» para circular um dia inteiro na capital... O «dito» condutor teve muita sorte. Se desse com alguns «fogareiros» que conheço, «fritavam-no»...

22.12.05

A senhora entra na praça do Colombo, traz embrulhos de Natal e tem ar triste. Durante alguns minutos, silêncio total dentro do táxi. Como sempre, dou a «deixa» ao cliente: se lhe apetece dialogar, tudo bem; se não, tudo bem na mesma, a viagem prossegue sem sobressaltos.
Quebrada a barreira do silêncio, a senhora não mais parou de falar. Desabafou imenso até à zona da Praça de Londres. Falou da sua vida, espontaneamente, sem que eu a forçasse minimamente.
Mulher de 50 e poucos anos, atravessa momento de turbulência na sua vida privada, depois de o marido ter decidido viver com outra pessoa, mais nova. No final da viagem, esteve durante um bom quarto de hora a desabafar, dentro do táxi. Dei-lhe uma forcinha, dizendo que a vida tem «curvas» e que o importante é seguir em frente na «jangada», como canta a Bethânia.
O táxi, por vezes, é uma espécie de confessionário. Aquela mulher estava mesmo a precisar de desabafar... E a propósito desta viagem, veio-me à memória o meu amigo João Mota. Já lá vão uns anos, também atravessei fase menos boa. Um dia fomos beber um copo. Falei, falei... até que lhe perguntei: «Só eu é que falo?! Tu hoje não dizes nada?!» O João, na sua sabedoria, olhou para mim e disparou: «Tu é que estás a precisar de falar!»
Um abraço, João!

21.12.05

«A cidade começou muito preguiçosa»

Quando «ofogareiro» nasceu, em jeito de brincadeira de amigos que entendem bem as técnicas bloguistas, estava longe de imaginar que havia mais «fogareiros» na «rede». Fui à pesquisa e descobri alguns. Aqui reproduzo, com a devida vénia, dois excertos do diário de um taxista brasileiro.

«(...) Quanto à vida do taxista de Sampa, posso dizer-lhes que continua do mesmo jeitinho, ou seja, indo e vindo por essa nossa São Paulo. Infelizmente a nossa Sampa continua cada dia que passa mais confusa. Tenho a nítida impressão de que a nossa cidade está completamente abandonada, sobre todos os aspectos. É uma pena, pois as autoridades constituídas deveriam ouvir e aceitar opiniões e sugestões para poder solucionar certos problemas, como o trânsito (um dos mais complicados).
Sou um profissional que vive a cidade 14 a 16 horas por dia, de segunda a sexta-feira. Como eu, existem outros profissionais que poderiam oferecer, gratuitamente, ideias e soluções para ajudar a descomplicar o nosso trânsito.
Apesar de o alvo principal deste diário ser relatar o dia-a-dia de um taxista, não poderia deixar de exprimir o caos vivido não só por mim, mas por todos aqueles que precisam de ir e vir por essa nossa Sampa.
Gente, o negócio está feio! Considero-me calmo e ponderado, mas confesso: estou começando a ficar preocupado! Na região das avenidas Faria Lima, Rebouças, Eusébio Matoso e adjacências, o inferno é total! Como dizia Miguel Falabela no programa ‘Sai de Baixo’: É O MAPA DO INFERNO!
Bom, vamos deixar de lado os problemas e procurar compatibilizar essas situações chatas com aqueles momentos bons que sempre acabam acontecendo.»

***

«Estou chegando de mais uma jornada de trabalho, hoje um pouco mais estressante, pois foi um dia muito quente em Sampa. Quanto ao trânsito, nem tanto, porque esta semana, com o feriado, a cidade começou muito preguiçosa, o que matou mesmo foi o calor exagerado (aproximadamente 33.º). Sabem que o calor em Sampa é abafado ao extremo.
As corridas de hoje ficaram na sua maioria concentradas nas zonas sul e oeste de Sampa, exceptuando uma corrida que fiz ao Aeroporto Internacional De Guarulhos-Cumbica. Aliás, gostaria de informar uma curiosidade, já que através deste diário passarei todas as situações que envolvem esta profissão. Sabem que para o taxista de Sampa a melhor corrida é Guarulhos ou Cumbica? É como se fosse um filé mignon...
Fiquei contente em saber que consegui despertar a curiosidade. Respondendo a uma pergunta formulada, quanto a ser ‘estressante’, esta profissão, gostaria de informar que é diferente dirigir [guiar] profissionalmente, algo passa a envolver-nos de uma maneira que o veículo, bem como o trânsito, ficam para segundo plano. Sinto-me como se estivesse passeando em Sampa. Pode parecer coisa de louco, mas não é...»

20.12.05

O taxista

Saio logo cedo no meu carro
Ninguém sabe o meu destino
Num aceno eu paro, abro a porta
E entra alguém sempre bem-vindo
Elegante ou mal vestido
Velho, moço ou até menino
Fecha a porta, diz aonde vai
E tudo bem, eu já 'tô indo

(Sou taxista
'Tô na rua, 'tô na pista
Não 'tô no palco
Mas no asfalto eu sou um artista)

Ouço todo tipo de conversa
O tempo todo 'tô ligado
Só me meto, dou palpite, dou conselho
Quando sou chamado
No meu carro ouço histórias
Desabafos, risos todo o ano
Sou de tudo um pouco nessa vida
Eu sou um analista urbano

(Sou taxista
'Tô na rua, 'tô na pista
Não 'tô no palco
Mas no asfalto eu sou um artista)

O papo é sempre o mesmo
Pra puxar qualquer assunto a qualquer hora
Que trânsito, que chuva, que calor
Mas logo mais isso melhora
Tento agradar a todo mundo
E trabalhar sempre sorrindo
Mas sou um ser humano
E só eu sei às vezes o que estou sentindo

(Sou taxista
'Tô na rua, 'tô na pista
Não 'tô no palco
Mas no asfalto eu sou um artista)

O cansaço, a solidão
Aperta o coração na madrugada
Mas a missão cumprida me desperta
É hora de voltar pra casa
Dou graças a Deus que lindos filhos
E a mulher em paz sorrindo
Valeu a hora extra pra com eles
Ter a folga de domingo

(Sou taxista
'Tô na rua, 'tô na pista
Não 'tô no palco
Mas no asfalto eu sou um artista)

Roberto Carlos/Erasmo Carlos

Hoje comecei mal. Primeiro serviço para a FIL, na Junqueira, decido dar um salto ao Hotel Pestana Palace, na Ajuda, e «afundo-me». Quase uma hora à espera e... nada! Arranco em direcção à praça do Cais do Sodré, um dos «abonos de família» dos taxistas, durante a manhã. Uma senhora apressada entra no táxi. Tem bom ar, sem ser jovem. E um sotaque esquisito. «Tenho um quarto de hora para apanhar o barco do Montijo. Acha que consigo?»
«Claro que sim», respondi à senhora romena.
A viagem foi curta, mas ainda assim deu para perceber que a minha cliente mora em Corroios e faz todos os dias uma longa viagem até chegar ao Montijo, onde trabalha – autocarro até Cacilhas, barco para o Cais do Sodré, novamente autocarro (hoje táxi, porque se atrasou) para a Estação Sul e Sueste, barco até ao Montijo... E ao fim do dia, a mesma via-sacra, em sentido inverso.
Dá que pensar, esta vidinha para ganhar alguns euros. Não sei o que faz a senhora romena – sei que fala um português razoável, pareceu-me pessoa bem formada e informada. E transporta consigo autêntico calvário (Corroios-Lisboa-Montijo...), duas vezes por dia.
Naturalmente, a minha vidinha de taxista também não é fácil. Tal como a senhora romena, farto-me de palmilhar quilómetros para ganhar uns eurozitos. Um dia destes enlouqueço. Ou faço como aquele taxista que transporta consigo a Bíblia. Quando pára nas praças, em vez do jornal, lê as Sagradas Escrituras. Se calhar, os deuses dão-lhe sorte e vai todos os dias a Cascais, ao Estoril ou a Alcochete... É que hoje estive uma vez no aeroporto e apanhei cliente para o Parque das Nações. Parei na Gare do Oriente e... apanhei para o Centro Comercial dos Olivais... Estou mesmo a precisar de um deus qualquer... Ou será que o melhor é ir à bruxa?

19.12.05

Há coisas neste Portugal («com diminutivo»...) que não dão para entender. Em vez de facilitar, a Administração Pública criou uma «teia» à qual é difícil fugir.
Vejamos: qualquer pessoa com carta de condução (naturalmente...) pode ser taxista. Basta dirigir-se à DGV, na Rua Tenente Espanca, em Lisboa, preencher uma série de papelada, pagar vinte e tal euros (salvo erro), aguardar uma/duas semanas, receber um certificado provisório e... está apta a conduzir um táxi.
Se é assim tão fácil, porquê um «tal» exame para conseguir a carteira profissional definitiva? Porquê um exame «a posteriori»?
Pergunta-se: não seria lógico que o exame fosse feito antes de começar a conduzir o táxi? Não seria lógico que os candidatos a taxistas recebessem alguma formação, a exemplo do que se passa noutros países?
Trata-se de um processo ridículo e kafkiano: anda-se um ano ou mais a conduzir um táxi e só depois somos submetidos ao tal exame... Não dá para entender!!!

18.12.05

Desculpem qualquer coisinha, alguns amigos que já fiz nas praças de Lisboa, nestes poucos meses de taxista. Não gostam da palavra «fogareiro»? Paciência! Lido com ela há largos anos. Gosto menos da palavra «taxista». Não me soa bem. Mas à falta de melhor... Não me venham é com essa do «técnico de condução»... Por amor de deus!
É de família! Já aqui falei do meu tio «Crespo» (falecido). Faltou dizer que tenho mais três tios ex-«fogareiros» – O Joaquim «Canhoto», o João «Gaiolo» e o João Alfredo. Gente de primeira água. Reformados.
Há dias, na Praça do Areeiro, estava à conversa com um taxista veterano (mais de 40 anos de praça). Falei-lhe nos meus tios «fogareiros» e ele conheceu-os todos, sendo até amigo de um deles (moram na mesma rua). Gostei de falar com aquele «colega» mais antigo, homem de muitas vivências e profundo conhecedor de Lisboa.
Por vezes, quando viajo no «meu» táxi, lembro-me dos meus tios «fogareiros». Sou amigo de todos, gosto imenso deles e sei muito bem que eles também são meus amigos. Tal como foram do meu pai (e vice-versa), que pela primeira vez não passa o Natal comigo.

O casal holandês terá sido contagiado pelo vírus que dá pelo nome de «saudade»? Foi pena o meu inglês ser tão fraquinho... Ainda assim, durante a viagem Hotel Mundial-Aeroporto deu para entender que os quatro dias de estada na capital portuguesa marcaram-nos profundamente. A seguir ao Areeiro, «ele» consegue descortinar uma nesga do Tejo (junto às bombas da BP) e desabafa: «Good bye Lisboa!»
Despedimo-nos, desejei-lhes boa viagem e bom Natal. Saí e abri a porta do táxi à senhora. Sei que o casal holandês gostou de Lisboa. Espero que também tenha gostado da viagem e do taxista – afinal a última «imagem» que levaram de Portugal. Se o destino não me atraiçoar e se ficar mais algum tempo nesta vida de «fogareiro», prometo que vou aperfeiçoar o inglês.

17.12.05

Praça do Martim Moniz – Tal como o Rossio, o Martim Moniz é o lugar mais internacional de Portugal. Ali se cruzam portugueses, africanos, chineses, ucranianos..., enfim, muitos dos cidadãos imigrantes que escolheram este «cantinho» da Península Ibérica.
Hoje parei, por duas vezes, na praça do Martim Moniz. A primeira «corrida» foi boa (Gare Oriente), a segunda foi arriscada: uma chinesa, dona de uma loja, foi abastastecer-se ao Centro Comercial Martim Moniz. Seis sacos enormes, disse-lhe que não podia levar toda a bagagem, sob pena de ter problemas com a polícia. «Senhor, eu pago a multa.»
Porta-bagagem cheio e... mais três sacos enormes para carregar. «Não posso fazer o serviço!» Mas a chinesa insistiu («eu pago a multa») e ao mesmo tempo tratou de meter os sacos no banco traseiro. Quis livrar-me depressa daquele imbróglio. Olhei em redor, não vi polícia e arranquei, com o coração aos saltos. Chegámos ao destino e a chinesa disse-me: «Passe por cá, pela minha loja. Eu faço-lhe mais barato...»
Não sei o que transportei dentro daqueles sacos enormes. Presumo que bujigangas para uma loja qualquer dos «trezentos»... Sei apenas que nunca mais aceito um serviço daqueles. Quero trabalhar tranquilo! E quanto a passar lá pela loja... Nem pensar!

16.12.05

Privacidade

«Não há uma grande diferença entre aquilo que é real e aquilo que é irreal, nem entre aquilo que é verdade e aquilo que é falso. Uma coisa pode não ser nem verdadeira nem falsa. Pode ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa.»
(Harold Pinter, Nobel da Literatura)

Pessoa amiga alertou-me para o perigo de perda da privacidade nestas estórias simples que decidi escrever em «ofogareiro». Compreendi, mas desejo vincar que nunca esteve na minha intenção colocar em perigo a privacidade dos meus clientes. Tal nunca virá a acontecer. Nestas estórias, o cliente cedeu o lugar ao personagem. Ponto final!

15.12.05

À beira de um ataque de nervos

A Grande Lisboa está intransitável... Bem sei que é um problema comum a outras metrópoles, mas isso não desculpa a falta de medidas para resolver o trânsito da capital (e não só...). Não sou perito na matéria – sou apenas um «utilizador» diário e sei que noutras grandes cidades algo já se fez para minorar esta questão. Assim, não vamos a lado algum... Gastam-se energias e esgota-se a paciência dos automobilistas. No tocante aos taxistas, prestam um mau serviço aos clientes e sentem enormes dificuldades para rentabilizar o «móvel».
Hoje, logo pela manhãzinha, fui a Fernão Ferro. Demorei uma eternidade até ao destino e depois, no regresso, foi pior a emenda que o soneto... Quando cheguei a Lisboa, já a manhã ia alta. Ou seja: perdi horas, prestei um mau serviço e «estraguei» a folha. Mais valia ter ficado na «pedreira» (centro de Lisboa)... Teria feito várias «corridas» e muito mais dinheiro...
Naturalmente, são muitos os sectores afectados por esta desorganização do trânsito. Gostaria que os especialistas fizessem contas e revelassem o custo anual deste desperdício de energia. Isto para já não falar em saúde pública... Sim, porque muitos destes automobilistas que diarimente cumprem o vaivém em direcção à capital... «só» podem enlouquecer. Ou ficar à beira de um ataque de nervos...

14.12.05

Praça do aeroporto – É administrador de uma grande empresa espanhola de energia, o maior accionista da EDP a seguir ao Estado português. Vive em Lisboa e é pessoa afável, educada, sem receio de dialogar com o «pobre» taxista que só «deve» perceber de futebol. Do aeroporto à Av. da Liberdade escutei autêntica lição de economia e não só...
Falou-se do sucesso da economia do país vizinho e do receio dos portugueses em relação ao investimento espanhol. Afinal, a Espanha é o maior investidor europeu em solo luso... Mas os portugueses (o Estado...) «desconfiam» de «nuestros hermanos»... Um exemplo: sendo a dita empresa espanhola o maior accionista privado da EDP, nem sequer tem um administrador... espanhol!
Os tempos são outros (como diria Bob Dylan, noutros tempos...). Porquê recear os «ventos de Espanha»? Aljubarrota pertence ao passado e se o sucesso da economia espanhola nos desse um «empurrãozinho», talvez deixássemos de ser um «país sucessivamente adiado»... Nada disto tem a ver com idependência e identidade cultural. Hoje em dia (é escusado negá-lo) a maior parte das economias é aberta.
A viagem foi estimulante para o taxista. De muito mais se falou, mas guardo para mim outros aspectos da conversa. Gostei de dialogar com este homem de muitas vivências pelo Mundo, sem complexos de expor as suas ideias, ainda que numa curta viagem pela cidade de Lisboa.

8.12.05

Praça da Figueira – O casal entra no táxi com muitos embrulhos. Cheira a Natal! «Ele» senta-se à frente. Gosto quando alguém opta por sentar-se a meu lado. Sei logo que é pessoa predisposta para uns minutinhos de conversa. E isso agrada-me, a viagem torna-se menos cansativa.
«Ele» era, de facto, bom conversador. «Puxou» por mim e tentei dar-lhe a réplica possível, na longa viagem (devido ao trânsito) até Belém. Foi professor de literatura portuguesa, hoje na reforma. Gostei de transportar aquele casal afável. Despedimo-nos com um aperto de mão.
Disse-me:
– Nota-se que é homem de leituras...
Respondi-lhe:
– Obrigado, mas sou apenas um curioso... Preciso de ganhar para a bucha e o tempo livre é curto para descansar...

7.12.05

Vivò Benfica!

Desculpem qualquer coisinha, estimados clientes, mas hoje é noite de Benfica-Manchester United... Na praça da Gare do Oriente, os motoristas de táxi não resistem e espreitam as televisões. Primeiro foi o golo de Paul Scholes e muitos deles zarparam, descrentes; mas estava lá Geovanni, desta vez a fazer de ponta-de-lança, e o golo do empate foi o renascer da esperança. Beto deixou-se de «rodriguinhos» e dos seus pés nasceu o golo da vitória, que colocou o Benfica nos oitavos-de-final da Champions.
O «menino bonito» dos «red devils» [Cristiano Ronaldo] já não está em campo... Mas o sofrimento é grande... Um golo dos ingleses e... lá se vai a Liga dos Campeões. É preciso aguentar. E sofrer.
Os milhares de adeptos ingleses do MU ficaram mudos. O «inferno da Luz» deixou-os à beira de um ataque de nervos. O motorista de táxi regressa à estrada e nem sente o barulho do motor, feliz com a vitória do seu Benfica.

2.12.05

«Retalis»

Há uma semana, estou ligado à Rádio Táxis de Lisboa. Ainda sou novo nestas andanças, mas já respondi a algumas chamadas. Sempre em zonas que conheço bem, ou julgo conhecer... Expo, Telheiras, Moscavide, Restelo... nem sequer ouso responder, ainda que, depois, fique arrependido, porque até conhecia algumas das respectivas ruas. Olaias, Paiva Couceiro, Areeiro, Chiado, Príncipe Real, Sheraton, Meridien, Altis... – estas são as minhas praças preferidas para responder à Rádio Táxis de Lisboa.
É uma questão de aprendizagem e também de confiança. Nas primeiras vezes, ficava um pouco nervoso quando estava em primeiro lugar na praça e ouvia a chamada; agora já respondo com mais calma.
Há dias estava na Praça do Chiado. Conheço bem a zona e respondi de imediato:
– Pátio do Pimenta
– Retalis

E agora? Nunca na vida tinha ouvido falar em tal sítio e a solução imediata foi perguntar a quem sabia. Numa zona que conheço palmo a palmo, logo me havia de calhar um pátio...