O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

27.4.11

É italiano, Eaimo de seu nome, idade a rondar os 70 anos. Do aeroporto ao Hotel Avenida Palace, nos Restauradores, a conversa versou espionagem e cheguei a pensar que estava em presença de um agente secreto, tal o à-vontade com que falava do tema.
Em trânsito para o Brasil, conhece bem a capital portuguesa e prefere ficar alojado na zona da Baixa, onde diz ter muitos amigos. De preferência no Hotel Mundial, mas desta vez estava esgotado e optou pelo Avenida Palace, o luxuoso hotel que foi «um dos principais centros de espionagem» no tempo da II Grande Guerra, a par do Tivoli e de outro no Estoril, onde se terão cruzado ingleses, russos, alemães..., segundo o meu cliente italiano.
Falou-me da posição «ambígua» (?) de Portugal face ao conflito e no final disparou: «Salazar era uma grande putana!»
«Putana?», interroguei. «Sim, putana... Comia aqui, bebia ali...»
Julgo ter entendido a ideia do italiano. Já ouvi chamar muitos nomes ao ditador português, mas «putana»...

5.4.11

Há, em Lisboa, colégios para meninos ricos e escolas para meninos pobres. Todas as manhãs e fins de tarde, junto aos colégios, é uma roda-viva de carros-topos-de-gama – uns conduzidos pelos pais, outros por motoristas particulares – que transportam os meninos ricos. Outros, ainda, têm contratos com as várias centrais de táxis e à hora marcada lá está a operadora a chamar um «móvel» ao colégio tal para transportar o menino tal.
Os meninos ricos não têm de carregar com as pesadas mochilas nem com os instrumentos musicais. Sim, porque nos colégios para meninos ricos há aulas de música a sério, como pude espreitar, um dia destes, num dos colégios da Lapa, enquanto aguardava.
Os meninos pobres, ao invés, moram em bairros pobres. E transportam as mochilas às costas, faça chuva ou faça sol. Compram gomas na papelaria mais próxima da escola e vão a pé para casa. Carregados de livros e de mais não sei quê... De sonhos?
Há dias viajava na zona de Chelas e depararam-se-me três meninos pobres que foram surpreendidos pela chuva intensa, quando se dirigiam para a Escola Secundária das Olaias. Parei e dei-lhes boleia. Foi apenas o gesto de um adulto que também já foi menino. Pobre!