O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

23.7.06

A luz de Lisboa

É francesa, mora em Cascais e vai ao aeroporto esperar alguém que chega de Paris. Escolhe o itinerário: Cais do Sodré-Aeroporto pela Avenida Infante D. Henrique, junto ao rio. Fala-me da claridade de Lisboa. E do mar! «Paris tornou-se uma cidade muito agressiva.»
A propósito: que tal ouvir um fado do Camané que fala da luz de Lisboa?!

Quando Lisboa escurece
E devagar adormece
Acorda a luz que me guia
Olho a cidade e parece
Que é de tarde que amanhece
Que em Lisboa é sempre dia
Cidade sobrevivente
de um futuro sempre ausente
de um passado agreste e mudo
Quanto mais te enches de gente
Mais te tornas transparente
Mais te redimes de tudo
Acordas-me adormecendo
E dos sonhos que vais tendo
Faço a minha realidade
E é de noite que eu acendo
A luz do dia que aprendo
Com a tua claridade


[Letra: Manuela de Freitas
Música: José Mário Branco]

Grande agitação na zona ribeirinha de Alcântara e Belém. Muitos milhares de pessoas quiseram ver, ao vivo, a Regata dos Grandes Veleiros, no rio Tejo. Veio gente de todo o país e até de Espanha (para muitos espanhóis, o mar mais próximo é o da costa portuguesa...).
Espreitei os veleiros e fiz várias «corridas»... Um espanhol veio de Madrid, de comboio, mostrar a regata ao filho. Ao passar no Terreiro do Paço, ficou surpreendido: «Ainda em obras?!» Devagar, devagarinho... Só espero que não se esqueçam de colocar o Cais das Colunas no mesmo local.

Há recantos de Lisboa que descubro dia a dia. Vivi na zona da Graça, mas foi preciso transportar uma cliente estrangeira para conhecer Vila Berta – uma pequena aldeia dentro da cidade, onde todos se conhecem e as portas ainda ficam abertas.
A mulher, há dois anos a trabalhar em Lisboa, escolheu aquele local para viver e diz maravilhas de Vila Berta e da Graça.
Gosta muito de Portugal. E dos portugueses?
– Também! Mim, gostava de me apaixonar por um português. Ou que ele se apaixonasse por mim...
Se alguns marialvas da nossa praça ouvissem este desabafo...

21.7.06

Sai esbaforido da sede do CDS/PP. Passa da meia-noite e a reunião promete arrastar-se até alta madrugada (confessou-me). Uma escapadela ao hotel e o regresso ao Largo do Caldas. Vida difícil, a dos políticos! :)
O homem vem ligado à corrente... Zurze no Governo de Sócrates; zurze no PSD; é um saudosista de Paulo Portas...
O taxista, cansado de tantas «corridas», começa também a ficar saturado da conversa do político de aldeia.

É cabo-verdiana do Mindelo, terra de mulheres muito bonitas. Trabalha em Lisboa e mora na Margem Sul. A noite está agradável, a conversa flui com naturalidade. Apetece-me desligar o taxímetro e viajar até ao fim do Mundo...
— Gosto da Amora e da baía do Seixal. E de observar Lisboa desta banda... À noite, de preferência...
— A noite tem destas coisas... As pessoas ficam mais românticas...
— Românticas?
(...)

18.7.06

Francisco José Viegas, meu ilustre cliente, vai lançar um livro bem sugestivo: «99 Cervejas + 1. Ou como não morrer de sede no Inferno» (edição da Esfera dos Livros). Quarta-feira (19), às 18.30 h, na Cervejaria da Trindade, com apresentação de Alfredo Saramago.

17.7.06

Domingo de muito calor. Andar de táxi, sem ar-condicionado (a grande maioria...), é exercício que não recomendo. Pobres taxistas! A camisa colada ao banco, quais «vagabundos» em busca de clientes que não surgem. A cidade está deserta, canso-me de esperar nas praças e decido zarpar até à Feira do Relógio, onde os nossos «patrícios» africanos (e não só...) dão uma tonalidade roque-santeirista à capital portuguesa.
Vou lá uma vez, duas... À terceira calha-me uma portuguesa bem-falante, transporta um saco com as «sobras» das vendas. Diz que são programas informáticos e pede-me para levá-la à Buraca, mais propriamente «às bombas» (junto à Cova da Moura). «A seguir vou para Almada. Demoro um quarto-de-hora. Quer esperar?»
Deixou-me uma nota de 20 euros para caucionar a «corrida». Comprei água fresca, entretanto ela regressou do bairro e seguimos para Almada. Falámos de coisas banais e às tantas comecei a pensar que poderia estar metido numa armadilha. «E se os programas informáticos apenas servissem para disfarçar?»
Sinto ainda mais calor e acelero o Mercedes, desejoso de terminar o serviço.
Uff!

13.7.06

Quase todos os dias me cruzo com ele, na praça de táxis do Hotel Sheraton. Já sei que espera o cigarrinho ou a moeda para o «cafezinho». Para o «cafezinho»? Atravessa a Av. Fontes Pereira de Melo e vai tratar da sua vida. Depois regressa ao seu «posto». Sempre junto à praça de táxis.
Nunca perguntei o que lhe aconteceu na vida. Houve ali qualquer coisa que deixou de funcionar... O Fernando é boa gente! Pouco falador, mas comigo abre-se um pouco. E conta-me estórias que nunca se concretizam.

11.7.06

O Sérgio esteve recentemente em Estocolmo e falou-me dos táxis evoluídos da capital da Suécia. Todos têm GPS e multibanco. Fácil para o taxista chegar ao destino. É só carregar no botão...


Apesar disso, o meu amigo prefere andar de táxi em Inglaterra. É diferente!


Em Paris, quase todas as «corridas» são negociadas... Marroquinos e turcos em grande no mercado taxista da capital francesa.

Itália campeã do Mundo. Na retina ficou a cabeçada de Zidane em Materazzi, que ainda vai fazer correr muita tinta... O jogador francês, de origem argelina, promete revelações nos próximos dias. «Terrorista islâmico», ter-lhe-á chamado o defesa italiano, que entretanto já negou. Algo aconteceu que fez Zidane perder a cabeça. Não devia reagir assim! No melhor pano cai a nódoa...

8.7.06

Mais um taxista assassinado. E de novo a questão da segurança vem à baila. O programa «táxi seguro» (GPS) parece-me razoável. É preciso pô-lo em prática a nível nacional. O Governo tem responsabilidades na matéria...

Gosto da chuva de Verão, mas tenho pavor das trovoadas. Um trauma que vem da infância... Preciso de sentir o contraste entre a vida frenética da capital e a calmaria da aldeia. Se possível na companhia de Pessoa...


Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...

O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no fato de haver coro...

A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...

E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...

6.7.06

Hotel Avenida Palace – Visita à zona Sintra com um casal italiano. Seteais, Pena, Monserrate, Cabo da Roca... Em Monserrate, compraram um bilhete de ingresso para o taxista. Descemos, descemos... pelo Vale dos Fetos. Uma miscelânea de plantas, cascatas... Temperatura e paisagem tão agradáveis e eu a lembrar-me do caos nas ruas de Lisboa em dia de greve no Metropolitano... Enquanto ele dedicou mais tempo às plantas (conhece-as todas...), ela, pintora, deteve-se a apreciar a arquitectura do palácio (*). O pior foi o regresso... Com sapatinhos fragéis, a italiana mal conseguia subir a encosta. Dei-lhe a mão e, juntos, lá conseguimos chegar ao táxi.
Um dia agradável para o taxista. A «corrida» não rendeu muito, porque não consigo usar subterfúgios para elevar a parada... Mas regressei a casa com os pulmões mais purificados e o prazer de ter convivido, durante cinco horas, com dois simpáticos italianos.

(*) «Sugestivo palacete romântico cujo projecto se deve ao arquitecto James Knowles Jr., 1858. Construído no terceiro quartel do século XIX, por iniciativa de Francis Cook, visconde de Monserrate, constitui um dos mais interessantes espécimes sintrenses do romantismo.
Obra de espírito romântico-orientalista, com a sua grande torre circular, cúpulas bulbosas e valores exóticos na decoração, o palácio aproxima-se do famoso pavilhão Brighton (1815-1823) de Nash e da arquitectura romântica inglesa. Como afirma José Augusto França, Monserrate tem «um sentido cenográfico algo diferente, apoiado numa maior riqueza de pormenores arqueológicos», constituindo pelas suas raízes inspiradoras - que, por via inglesa, entroncam na arquitectura mogol - um caso ímpar do romantismo em Portugal.»

Estive de quarentena. O cansaço é muito e o tempo que me resta é curto para descansar. Muita transpiração, pouca inspiração... Lamento desidulir os amigos cibernautas.
Portugal perdeu. Um certo sabor amargo, tanto mais que a França pouco fez para justificar a vitória. Limitou-se a defender (bem) e a contra-atacar. Deco não se viu, Pauleta andou perdido entre as «torres», enfim, faltou-nos arte e engenho para derrubar a muralha defensiva francesa. E depois... Depois calhou-nos um «tal» árbitro sul-americano e as «coisas» ficaram mais complicadas.
Tinha esperança de que seria possível chegar à final de Berlim. Não embarquei na onda das bandeiras, mas confesso que hoje trouxe um boné escondido no porta-bagagem. Se Portugal ganhásse... «mergulhava» na noite com o boné que a minha mãe me ofereceu.
Não ganhámos! Brasil, Argentina, Inglaterra, Espanha... também ficaram pelo caminho. Há mais vida para além do futebol. Não chores, Portugal!