O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

31.5.06

Telefona a alguém e apercebo-me (fala alto...) de que a sua vida sentimental está agitada. [«Ainda gosto dele!»] Subitamente, começa a embirrar com o taxista, a pretexto do trânsito. «Fiz algo de mal?», ripostei com firmeza. A mulher estremeceu e desatou a chorar: «Desculpe! Não estou bem!»

Começo a trabalhar às 11 horas e perco o fluxo da manhã. Respondo a uma chamada da Rádio Táxis. É o primeiro serviço do dia e dirijo-me ao Hotel Plaza, junto ao Parque Mayer, onde me aguarda um casal de ingleses. Juro, singelo contra dobrado, que só ouvi a palavra... «Cascais».
– «Cascais?» – perguntei, a confirmar o destino da «corrida».
– No! Station to Cascais!
– OK! Sta-ti-on to Cas-cais!
Maldita palavra – «station»! Não teria sido mais simples pronunciar... Cais do Sodré!

26.5.06

Praça do aeroporto (partidas) – Todos os dias oiço estórias diferentes, contadas por taxistas com muitos anos de rodagem. Sabe-se lá se são verdadeiras ou falsas... Pouco interessa – são estórias! Há dias, um taxista muito conhecido no aeroporto, já com idade avançada, transportou para o Algarve uma família de emigrantes portugueses. A meio da viagem parou para abastecer gasóleo. Estava muito calor, sentia-se cansado e pediu para descansar um bocadinho. «Quer que eu leve o táxi?», sugeriu-lhe o cliente. «Vivo na Alemanha e estou habituado a conduzir Mercedes», acrescentou. O taxista pensou uns segundos e... aceitou a proposta. «Aguentei dez minutos, o homem conduz lindamente! Depois adormeci e só acordei em Albufeira...»

PS – É uma hospedeira linda de morrer. Desculpem qualquer coisinha, mas já a transportei (teve direito a «post») e sei do que falo. Chegou hoje e... reconheceu-me! Apeteceu-me passar à frente de toda a gente...

Rui Costa voltou a falar como jogador do Benfica. Após 12 anos no futebol italiano, o «maestro» está de regresso aos relvados portugueses e ao clube do seu coração. «Concretizo um sonho, mas não sou salvador. Serei mais um do plantel. Sabendo que os benfiquistas têm muito carinho por mim, seria mais cómodo não arriscar este passo. Se arrisco, faço-o com a certeza de que posso contribuir para o sucesso deste clube. É uma escolha de paixão, mas também de profissionalismo, porque se fosse só de paixão ficaria nas bancadas a torcer pelo Benfica. Sinto-me em condições de ajudar e serei sempre um profissional.»

É professor universitário em Campinas (Brasil) e veio participar num congresso internacional de meteorologia, a decorrer no Hotel Altis Park, em Lisboa. A «corrida» (ida e volta) deu para muita conversa e, às tantas, veio à baila o futebol.
«Acredita que o Brasil vai conquistar de novo o Mundial?», questionei.
Resposta pronta de Vicente: «Acredito, mas será mais uma desgraça para o povo brasileiro. Seria preferível que não ganhasse...»
(...)
«O Brasil precisa de mudar de governo e a vitória na copa será como uma anestesia que só serve para adiar o sofrimento do doente.»
(...)
«O Lula tem feito muita besteira. Esta situação não pode manter-se por muito mais tempo.»

24.5.06

Leonor (nome fictício) sai apressada do hotel, por volta da meia-noite, ali para os lados da Praça de Espanha. Mal entra no táxi saca do telemóvel e desabafa com alguém. As «coisas» não lhe correram bem. Um «cliente difícil»...
Joana (nome fictício) adormeceu, entra apressada em Campo de Ourique e dirige-se ao aeroporto, por volta das dez horas da manhã. Transporta consigo um instrumento musical. Maquilha-se durante a viagem, fala com o «paizinho» (assim mesmo) que está no Brasil.
São duas jovens portuguesas de vinte e poucos anos.

22.5.06

Hotel Tivoli Lisboa – Deparam-se-me dois idosos estrangeiros (80 anos?) que se movimentam num triciclo. Pensei que fossem deficientes, mas não... Trata-se de um veículo a pilhas que serve para ajudar idosos com dificuldade de locomoção. [pensei logo em adquirir uma geringonça daquelas e oferecê-la à minha mãe...] Está bem equipado e desmonta-se facilmente. Só assim foi possível arrumá-los no porta-bagagem.
Na viagem até ao Colombo, comecei a ficar preocupado. «E se não consigo montar os triciclos? Dou meia volta e levo-os de regresso ao hotel...»
... Sem razão: mal saíram do carro, os «velhotes», com a minha ajuda, puseram as máquinas a funcionar em escassos minutos e zarparam pela rampa lateral do Colombo. Fiquei a observá-los e só lamento não ter registado aquele momento com uma fotografia.

PS – Enquanto tirava as geringonças do porta-bagagem, sujei a camisa com óleo. A senhora ficou muito preocupada e foi generosa na «corrida»...

19.5.06

José Bação Leal

As suas poesias foram recolhidas pela mãe, carinhosamente, dos rascunhos que deitava fora. «Sensibilidade nova, exigente e generosa, marcada por uma ânsia radical de verdade.» Assim escreveu Urbano Tavares Rodrigues do poeta que morreu em Nampula (Moçambique) durante a guerra colonial.
O seu testamento («Poesias e Cartas»), descoberto num alfarrabista, é uma das minhas «âncoras». Frequentámos os mesmos cafés (Copa, Mexicana, Império...), partilhámos a mesma angústia (guerra colonial) e a mesma esperança (liberdade).

ORAÇÃO DE VENCIDO

Já se esqueceram as nuvens
A alegria voltou ao rosto das luzes

Os homens do campo
que poderiam ser meus irmãos
são agora estranhas sombras
formulando gestos

Eu vou descendo os degraus da noite
com o passo marcadamente incerto
dos que não sabem perder
e perderam

Caminho em busca da renúncia
com flechas de vento
nas asas da derrota

Levo na cinza dos meus olhos
toda aquela angústia branca
que viceja na espuma dos meus dedos

Por entre pedras e poemas
bêbado e só
eu vou cantando
a minha oração de vencido


José Bação Leal

18.5.06

Já aqui falei do brasileiro Marcelo (nome fictício), o jovem taxista mais «assediado» da cidade de Lisboa, em especial nas noites de sexta-feira e sábado, quando as discotecas fecham as portas e algumas «miúdas» regressam a casa incendiadas de «shots»...
Um dia destes, coube-lhe transportar duas fulanas no Armazém F. Vinham com o estômago a arder e quiseram cear qualquer coisinha. Convidaram o Marcelo e, como sempre, ele foi incapaz de dizer «não».
A ceia foi agradável e o taxista prosseguiu a «corrida». Depois de deixar a primeira cliente, a segunda e o Marcelo decidiram arejar num local aprazível, com vista para o rio.
Sem se aperceber, o Marcelo accionou o botão de alarme do táxi e, volvidos alguns minutos, viram-se rodeados de polícias. Aflito, ele ficou sem palavras. Numa penada, porém, ela resolveu a situação:
— Vim conversar com o meu namorado... Não posso?!
O polícia fixou o Marcelo e disparou:
— Desligue lá o alarme!

17.5.06

Passam poucos minutos das 14 horas. Transporto uma cliente para o centro comercial Vasco da Gama, no Parque das Nações. Estou sintonizado, baixinho, na Rádio Renascença. Depois de Pedro Abrunhosa, a locutora surpreende-me com uma canção de Zeca Afonso. Há quanto tempo não o ouvia nas rádios portuguesas?!
– Se quiser, pode elevar o som...

Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem-vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também

16.5.06

Hoje, pela manhãzinha, chegou ao cais de Santa Apolónia um enorme paquete («Royal»). Uma parte dos turistas aproveitou a curta estada (um dia) para conhecer um pouco de Lisboa. Coube-me transportar um casal inglês ao Castelo de São Jorge. A seguir quiseram visitar o Museu de Arte Antiga, nas Janelas Verdes. Esqueci-me de que era segunda-feira e... os museus estão fechados. Vi-me aflito para tentar explicar-lhes esta situação absurda. Não entenderam!
Nem eu!

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
(...)
Ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
(...)
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...


Alexandre O’Neill

14.5.06

Quando o Tejo era a piscina de Alfama

Dos becos com sardinheiras aos condomínios fechados; Cascalheira de «má fama» e o «rei do KO»… Retratos de Lisboa escritos há já algum tempo, muito antes desta vidinha de «fogareiro». Fui buscá-los ao «escrita» por entender que assentam bem neste espaço («fogareiro») dedicado à minha cidade.

Há meio século, o Tejo fazia parte do quotidiano de muitos lisboetas. Depois, o Estado Novo privou-os do rio e encheu as suas margens de armazéns. Nos últimos anos, devolveu-se o Tejo à cidade. A Expo-98 deu enorme impulso e a zona ribeirinha ficou diferente. Os bares e restaurantes dominam agora a paisagem, há espaços abertos ao rio. Os golfinhos dificilmente voltarão, mas deu-se a reconciliação da cidade com o Tejo.
As «vilas» e os becos com sardinheiras, na Graça, no Castelo e em Alfama. O Adicense, na Rua Norberto Araújo, é um clube com história. Na sala estão poucas pessoas, umas conversam, outras jogam à «sueca». Fernando Alves tem 76 anos de idade. Está reformado e passa muitas horas na colectividade com os poucos amigos que lhe restam de uma vida inteira em Alfama. «Vou morrer aqui. Já não conseguiria viver noutro lado. Mas o bairro já pouco tem a ver com os tempos em que isto era uma família e as portas de casa ficavam abertas. Muitos saíram e foram viver para os arredores de Lisboa, outros zarparam para a província. São poucos os sobreviventes.»
Vêem-se taças nas vitrinas, emblemas e galhardetes. E uma foto antiga a preto e branco – uma multidão junto à doca do Jardim do Tabaco, observando os nadadores, de calções compridos colados às pernas, que mergulham no rio. «O tempo em que o Tejo era a piscina de Alfama… Depois, o Salazar até o rio nos tirou… Mas temos bares e droga com fartura! Alguma malta nova anda por aí à deriva, bebe muito e droga-se e tem de arranjar dinheiro de qualquer maneira. Não sou contra o 25 de Abril. Estive no Aljube e ainda tenho marcas do que me fizeram. Mas talvez estejamos a precisar de outro 25 de Abril…» Talvez!

«Tasca do Chico» e «fado vadio»

Alberto é «alfacinha de gema». Nasceu no Bairro Alto, onde teve uma mercearia, hoje minimercado. Conhece o bairro como ninguém e fala de fadistas e prostitutas, de jornalistas e escritores, do cheiro característico dos jornais acabados de sair das rotativas, dos miúdos que desciam as Escadinhas do Duque em passo acelerado a apregoar os vespertinos [«Lisboa ó Popular!»], das varinas e dos seus pregões [«quem quer figos quem quer almoçar!»; «olha a petinguinha fresca!»]. A nostalgia de um Bairro Alto que apenas existe na memória de alguns. «Hoje em dia mal se pode viver aqui. O barulho, a confusão de tantos bares e restaurantes, a falta de estacionamento, tudo isto modificou o bairro. Sempre houve muita agitação, é verdade, mas nada que se compare aos tempos actuais.»
É noite! Bandos de rapazes e raparigas invadem o Bairro Alto. Vêm em grupo e poisam em bares pré-seleccionados. «Punks», «góticos», «metálicos», «raves»… Cruzam-se neste espaço lisboeta, a par de turistas que chegam em excursões para ouvir o fado e de gente que trabalha no único jornal que ainda lá existe: «A BOLA». Às tantas misturam-se, por vezes há zaragatas, mas todos fazem do «bairro» uma espécie de santuário.
«Antigamente, a vida dos moradores girava à volta do Lisboa Clube Rio de Janeiro, onde dançávamos e nos divertíamos. Foi lá que comecei a namoricar a minha mulher. Hoje, o clube limita-se a organizar a marcha do Bairro Alto e pouco mais. Muitos saíram e o bairro perdeu a alma.»
Os turistas abandonam as casas de fado e dirigem-se, agora, para o Largo da Misericórdia, rumo aos autocarros. Porém, a «Tasca do Chico» permanece cheia de adeptos do... «fado vadio». Silêncio! O «doutor» vai cantar um fado de Coimbra! Nota-se-lhe um brilhozinho nos olhos quando a guitarra começa a «gemer»… «Aqui ainda se ouve fado a sério. E todos podem cantar! O outro fado que há por aí é só para turistas…»
«Agora até deitaram um quarteirão abaixo para erguer um condomínio fechado.» Alberto não perdoa a quem «destruiu» o «seu» bairro…

Cascalheira de «má fama»

Quem não ouviu falar do Cascalheira? «Não jogas nada! Vai mas é prò Cascalheira!», escuta-se ainda hoje nos estádios de futebol. Este clube de «má fama» perdura no imaginário de muitos lisboetas… Fica em Campolide, paredes-meias com a cosmopolita Amoreiras, mas escondido na Rua do Garcia, perto do Alto Carvalhão. Não se dá por ele quando se viaja de carro para Monsanto.
Fundado em 1934, o Cascalheira é hoje um pequeno clube de bairro, com uma sede e um minipavilhão doado pela Junta de Freguesia de Campolide, em 1997, onde se joga pingue-pongue e «sueca».
O presidente, Vasco Bilreiro, explica-nos a origem da «má fama» de que o clube goza e fez dele um dos mais badalados da capital (e não só…), apesar de não ter conquistado mais que um título, em futebol, no ano de 1954, quando foi campeão da II Divisão da AF Lisboa. «O Cascalheira era um clube rude, desordeiro. Havia sempre zaragata a seguir aos jogos… Era formado por pessoas analfabetas que vinham da província trabalhar em Lisboa. Instalavam-se aqui, nas vilas e nos campos, completamente desenraizadas. Nesse tempo, ninguém brincava connosco! O clube tinha uma claque enorme de rapazes e raparigas que assistia a todos os jogos. Havia um bufet, bebia-se muito! Não havia droga, o vinho era a droga!»
Em 1956, o Cascalheira foi desalojado do campo da Aliança. A partir de então, o clube quase morreu. Foi-lhe prometido um espaço em Monsanto, até hoje… Nesse local foi construído um bairro para os guardas prisionais.

O «rei do KO» e Jogos Olímpicos

O Cascalheira não teve só futebol. Ciclismo e boxe também eram modalidades praticadas no clube, afinal «desportos rudes para gente rude», como diz Vasco Bilreiro, também ele um antigo «boxeur» e com muitas estórias pra contar. Era conhecido por «rei do KO» e impôs respeito nos ringues de Lisboa, entre os quais pontuava o do Parque Mayer, nos anos 40/50. «Tínhamos aqui uma verbena e um dia eu ia lutar com Silva Freire, que pesava mais sete quilos. Quando ele surgiu, eu já tinha jantado e não quis combater, mas começaram a dizer que eu estava com medo e... fui mesmo. Ganhei-lhe por KO e parti os dentes ao árbitro, com um soco, quando este meteu a cabeça para tentar separar-nos.»
A vida de Vasco Bilreiro confunde-se com a história da colectividade. «Casei no dia 1 de Abril de 1951, às 11 horas. Jantámos com os padrinhos, vim pôr a mulher a casa e fui combater no Parque Mayer. Ganhei por KO ao primeiro assalto! Naquela altura, eu estava desempregado e os 200 escudos do combate davam um jeitão… Davam para comer durante duas semanas…»
O presidente do Cascalheira lamenta, ainda hoje, não ter ido às Olimpíadas de 1952: «Cheguei a ser seleccionado, juntamente com Belarmino Fragoso, mas não havia verbas e ficámos por cá. Podíamos ter conquistado uma medalha para Portugal!»

«Colectivismo está a morrer»

«Antigamente, a Cascalheira ia até Alcântara. Agora somos vizinhos das Amoreiras e do Casal Ventoso… Muita gente saiu, restam os velhos e pouco mais. Qualquer dia, nascem aqui umas torres, viradas para Monsanto…»
Os clubes de bairro estão a ficar sem vida, a desaparecer. Muitos sobrevivem graças à carolice de poucas pessoas. Adicense, Rio de Janeiro, Cascalheira, Ginásio do Alto Pina, Clube Atlético de Campolide… Vasco Bilreiro tem uma justificação: «O colectivismo está a morrer. Já ninguém quer sacrificar-se pelos outros. É o mundo do dinheiro a dominar… O Cascalheira esteve quase a fechar as portas, íamos entregar as chaves à Junta de Freguesia, mas como gosto do clube… Tenho um barquinho de pesca que é a menina dos meus olhos, onde passo os melhores momentos da minha vida, e estou aqui… Isto agora funciona mais como um café de bairro. Conversamos, organizamos excursões para os velhotes…»
Antes de terminar esta viagem por alguns bairros de Lisboa, tempo ainda para tomar um cafezinho, jogar a «sueca» e ouvir mais umas tantas estórias de pessoas avessas a modernismos [«nunca fui às Amoreiras»] e que permanecem como árvores nos (seus) bairros. As vilas, os becos, os largos, as ruas estreitas… são o seu mundo.

13.5.06



Os estrangeiros transmitem-me uma imagem reflectida de Lisboa e até do País. Nesta altura, há boa afluência de turistas à capital. Ingleses, espanhóis, brasileiros...
Há dias, no Pestana Palace, coube-me transportar um casal brasileiro que estava em trânsito para Roma. Numa visita rápida, mostrei-lhes os Jerónimos (sempre!), a Torre de Belém, o Castelo de São Jorge, a Senhora do Monte... Tinham almoço marcado para o Papa Açorda, bem no coração do Bairro Alto. Como quem não quer a coisa, dei um saltinho às ruínas do Carmo e... parei na Trindade. Não me passou pela cabeça que os meus ilustres clientes trocassem o afamado restaurante pelo bife da cervejaria... Longe disso! Apenas quis mostrar-lhes os azulejos daquele antigo convento maçónico que é, também, ex-líbris da cidade. Gostaram!

12.5.06

«Capitães da areia» à portuguesa

Azinhaga dos Besouros, um dos mais de 30 bairros degradados do concelho da Amadora. Miúdos interrompem as brincadeiras e aproximam-se. Dizem-nos que é arriscado circular nestes espaços, que alguns destes putos, quais «capitães da areia», são perigosos. Custa-nos aceitar o aviso. Num abrir e fechar de olhos, porém, surgem duas motos junto ao táxi. Eram miúdos crescidos. Apercebi-me de que vinham em missão de reconhecimento.
«Bando de jovens africanos assalta banhistas na praia de Carcavelos», ouvimos, em tempos recentes, numa estação de rádio portuguesa. Leituras destas são frequentes. Certa comunicação social cai no erro de considerar que estes actos de vandalismo são executados por «jovens africanos». Mas não é verdade! São miúdos portugueses. Nasceram em Portugal e vivem nos subúrbios das grandes cidades.
Herman José tem origem alemã e ninguém diz que é alemão. É tratado como português, porque nasceu em Portugal. Estes miúdos também. Os pais é que são africanos! Vivem em situação precária, os homens trabalham nas obras, as mulheres nas limpezas.
Que fazer para alterar esta mentalidade? A comunicação social tem grandes responsabilidades quando analisa fenómenos com este melindre. E tem de assumir, de uma vez por todas, que estes jovens que praticam actos ilícitos são tão portugueses como eu ou o Presidente da República. Como a Carla Sacramento, a Sara Tavares, o Nuno Delgado, o Eusébio... Ninguém diz que são africanos, mas sim portugueses.
Na cultura, no desporto, nas medalhas olímpicas... são portugueses; nos assaltos... já são africanos!

Era uma cliente habitual. Trabalhava numa prestigiada editora que em muito contribuiu para a divulgação da poesia portuguesa e não só... Há cerca de dois meses deixou de me telefonar a solicitar o táxi. Estranhei, enquanto aguardava por um sinal. Há dias contactou-me para dois dedos de conversa. Está no desemprego!
Tinha uma grande surpresa para mim: uma «montanha» de livros para eu escolher os que me interessassem. Aceitei a oferta! E a minha biblioteca ficou mais rica. Sobretudo de poesia.

Hoje, sim, senti-me um autêntico «fogareiro». Na praça do aeroporto, um compatriota açoriamo (do Pico) dirige-se-me, aflito. Tinha-se esquecido da carteira e de toda a documentação na residencial onde pernoitou, ali nas Portas de Santo Antão. O avião partia dentro de uma hora e aceitei a missão «impossível» de ir e vir, em hora de ponta, do aeroporto aos Restauradores. Inventei percursos alternativos, cometi não sei quantas infracções (ligeiras) às regras de trânsito, mas de forma consciente, sem prejudicar terceiros. Consegui levar o barco a bom porto e o açoriano, no final, duplicou o valor da «corrida» (dez euros), satisfeito por regressar a tempo à sua bela ilha.
O mais giro de tudo isto é que a polícia, àquela hora, tinha o radar instalado na Avenida Gago Coutinho, segundo me contou um «colega» e pude depois confirmar. Não dei por nada e só espero que os deuses se lembrem deste pobre taxista...

O Francisco José Viegas – esse mesmo, o autor de «Morte no Estádio», «Um Céu Demasiado Azul» e «Longe de Manaus», do programa «Livro Aberto» (RTPN) e de tantos e belos textos/poemas, sem esquecer as crónicas gastronómicas do «DN» – fez uma referência a «ofogareiro» no seu blog «A Origem das Espécies» e dispararam as visitas a este despretensioso «cantinho» de um taxista de Lisboa.
E agora, Francisco? Estou metido num grande sarilho! Como vai este humilde «fogareiro» corresponder às expectativas de tantos leitores? Só vejo uma solução: pedir ajuda ao meu amigo Mauro («Taxitramas») de Porto Alegre...

11.5.06

Oiço muita rádio, desde que estou nesta vida de «fogareiro». Viajar o dia inteiro pela cidade... exige antídotos. Não dispenso os noticiários da TSF, mas apenas uma/duas vezes por dia (as entrevistas de Carlos Vaz Marques, ao fim da tarde, são momentos imperdíveis).
A música ajuda imenso, torna as «corridas» mais suaves. Baixinha, para não incomodar... Gosto de experimentar os turistas. Coloco cassetes de música portuguesa (de qualidade) e aguardo as reacções. Há dias, uma francesa mostrou-se muito interessada nos Madredeus. Quis saber de quem era aquela voz inconfundível (Teresa Salgueiro). Expliquei-lhe e fiquei com a certeza de que a minha cliente Evelyne levou na bagagem alguns CD’s de boa música portuguesa.

5.5.06

O Marcelo (nome fictício) é brasileiro e taxista em Lisboa. Tem vinte e poucos anos, é boa gente. Trabalha à noite e foi «assediado», às três e picos da manhã, em pleno IC19, quanto transportava uma cliente da discoteca Queen’s para Rio de Mouro.
Mal se apercebeu de que estava em presença de um taxista simpático e bonitão, ainda pra mais com aquela voz açucarada, a fulana não resistiu. Saltou para o banco da frente, fora de si, a ponto de ele ter de parar o carro para pôr ordem naquela situação surrealista. «Meu brasileiro lindo!», dizia ela, enquanto o Marcelo se esforçava por levar a «corrida» até ao fim.
Chegados a Rio de Mouro, a cliente convidou o Marcelo a tomar um «drink». Mais calmo, ele aceitou. A fulana, divorciada há pouco tempo, estava desejosa de um pouco de sexo.
«Pôxa, vida! Ela é mesmo gira!», contou-me o Marcelo, incapaz de resistir à tentação.
Uma «corrida» em cheio, meu caro!

4.5.06

Vem vestido a rigor, com «hábito» e tudo. O padre Gabriel é bom conversador e quase não dei pelo tempo na viagem Belém-Laranjeiras. Aproveitei a «deixa» para lhe colocar algumas questões relacionadas com a recente posição do Vaticano sobre a Internet. Não fiquei totalmente convencido (é difícil...), mas foi interessante ouvir os seus argumentos.
Os padres são figuras cultas. Não sou crente, mas gosto de ouvir pessoas com quem aprendo alguma coisa, mesmo que não esteja de acordo e desde que me dêem hipótese de contra-argumentar.
Há tempos transportei outro padre (João Seabra) para o Chiado, logo pela manhãzinha. Mal entrou no carro começou a cantarolar. Estranhei o seu comportamento e comentei algo do género: «Nota-se que acordou bem-disposto...» Foi o pretexto para uma conversa. Uma autêntica dissertação sobre a vida e o sentido de viver. Também não concordei com muitos dos seus argumentos, mas valeu a pena dialogar com aquele padre polémico e conservador que eu já conhecia da comunicação social.
Vale sempre a pena! Quando a alma não é pequena...

2.5.06

Num dos melhores hotéis de Lisboa, eu e outro taxista esperamos que algum cliente nos salve a «folha» de um feriado (1.º de Maio) muito fraquinho. Às vezes, conseguem-se lá bons serviços. Sintra, Cascais...
Do hotel sai um fulano ainda jovem e com pinta de atleta, corpo musculado, t'shirt justinha, calça de ganga... Logo a seguir, sai uma fulana bastante mais velha (quarentona?), forte cabeleira loira e... seios enormes. O meu colega estava em primeiro lugar e pensou que os fulanos queriam táxi, mas eles dirigiram-se para um Porsche novinho que estava estacionado no hall do luxuoso hotel.
Comentário do meu colega, cansado de esperar pelo cliente que não havia meio de chegar: «Ainda dizem que há crise... Há, mas só para alguns... O Porsche custa uma pipa de massa...»
Não reagi ao comentário e fiquei a observar aquele belo carro, enquanto o porteiro se desfazia em mordomias, à espera da notinha... Arrancaram e, como quem não quer a coisa, perguntei ao porteiro quanto custa dormir uma noite no hotel. «No mínimo 400 euros...» Fiquei esclarecido!