O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

31.8.09

Estão em lua-de-mel (gosto desta expressão...), são naturais de Penafiel e estiveram hospedados (uma noite) no Sana Metropolitan, enquanto aguardavam viagem para o Brasil. Propuseram-me uma (curta) visita aos pontos mais bonitos de Lisboa. «Não conhecem a capital?», perguntei-lhes. Na era dos Alfas e dos TGVs, estava convencido de que todos os portugueses já conheciam Lisboa, mas, afinal, não é bem assim...
«Eu conheço, mas o meu marido não», respondeu-me a jovem casadinha de fresco, ainda não muito à vontade (pareceu-me...) a pronunciar «meu marido».
Hoje, quando o calor apertou a sério, lembrei-me do casalinho de Penafiel, apeteceu-me estacionar o táxi e zarpar em «lua-de-mel» para bem longe da Almirante Reis e do Areeiro...

29.8.09

«Ostinato rigore»

Toda a manhã procurei uma sílaba.
É pouca coisa, é certo: uma vogal,
uma consoante, quase nada.
Mas faz-me falta. Só eu sei
a falta que me faz.
Por isso a procurei com obstinação.
Só ela me podia defender
do frio de Janeiro, da estiagem
do verão. Uma sílaba.
Uma única sílaba.
A salvação.

Eugénio de Andrade

Ler ainda é o melhor remédio para as insónias, mais na aldeia beirã, onde as noites duram uma eternidade. Levo sempre uns tantos livros na bagagem (servem-me de âncora), mas raramente consigo lê-los até ao fim. Desta vez, porém, foi fácil terminar um pequeno livro de Miguel Sousa Tavares («No Teu Deserto»). Uma história bem construída sobre a sua aventura no famigerado rali Paris-Dakar.
Miguel Sousa Tavares é imaginativo, consegue boas histórias. Li parte do «Equador», mas não tive estofo para chegar ao fim. Li «Sul» e apreciei as suas crónicas. Apenas um senão: alguma falta de rigor na construção das frases, na escolha das palavras certas. Fica a ideia de que ele escreve de jacto, ao sabor da sua fértil imaginação; que não volta atrás para burilar a escrita, como faziam Hemingway, José Cardoso Pires, Eugénio de Andrade...
Apesar de tudo, valeu a pena «viajar» com MST nas areias do grande deserto africano.

4.8.09

Praça do Rossio – Vêm divertidos e bem bebidos. É quase meia-noite e jantaram num daqueles restaurantes «baratinhos» das Portas de Santo Antão. Ele é vice-ministro (vim a saber depois) de um país africano; uma delas é portuguesa, a outra é brasileira.
– Para o Tamila, sff.
(...)
Ele está sentado à frente, a meu lado. A conversa surge fácil e dá para estabelecer alguma empatia. A viagem é curta e quando nos despedimos, na Av. Duque de Loulé, a portuguesa sugere:
– Não querem continuar a falar lá dentro...
– Estou a trabalhar e não devo. Nem sequer posso beber um copo...
Ela insiste e... vou, movido pela curiosidade de conhecer aquele personagem, vice-ministro africano (...) de passagem por Lisboa, bem acompanhado e frequentador de «boas» casas.
(...)
– Vou andando. Senão... o patrão despede-me.
– Ó meu bem, fica só mais um pouquinho...
– OK! Se for só mais um pouquinho...
– ...