O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

29.5.07

Hospital CUF Descobertas, no Parque das Nações. A mulher, de 50 e poucos anos, tem sotaque brasileiro e pede-me para levá-la ao Lumiar, enquanto fala ao telemóvel, em voz alta.
Chora! Vem de saber o resultado de exames e o diagnóstico não foi o melhor... Vem zangada com o hospital, tido como um dos melhores de Lisboa. E com os médicos, a ponto de manifestar o desejo de regressar ao Brasil para ser submetida a delicada intervenção cirúrgica. Lá terá as suas razões!
Às tantas, desliga o telemóvel e começa a desabafar com o taxista. Na Segunda Circular, quando me aproximo do desvio para a Alameda das Linhas de Torres, rumo ao Lumiar, o seu estado de espírito altera-se bruscamente: «Leve-me antes ao Corte Inglês... Almoço e a seguir vou ao cinema, em vez de me enfiar sozinha em casa...»

18.5.07

Quase todos os dias chegam paquetes de cruzeiro a Lisboa. Demoram pouco tempo e partem rumo a outros destinos. Gente idosa, na maior parte, a gozar reformas dignas.
Hoje atracou, na Rocha Conde de Óbidos, o paquete português «Funchal», ao serviço de uma empresa grega. Trazia a bordo mais de quatrocentos australianos. Fui lá «carregar» três vezes. Numa delas calhou-me um português, José Loureiro de seu nome, que é o pianista/organista do barco. Há seis meses que não vinha a Portugal e, mesmo assim, demorou escassas três horas na capital portuguesa. Tempo, apenas, para ir ao apartamento levar as malas e matar saudades da família. Já está a caminho de Inglaterra e regressa na terça-feira, de avião, então sim para descansar um mês das lides marítimas. E conhecer a netinha de quatro meses, que vive em Lourosa.
José Loureiro é homem de muitas vivências. Foi músico de Herman José (no «Parabéns»), tocou no Casino Estoril, em hotéis, em grandes casas da capital, em festas privadas... Um dia decidiu fazer-se ao mar, mas começa a ficar cansado da vida de «marinheiro»... Tanto mar também cansa!

14.5.07

Sejam bem-vindos, os estrangeiros! Hoje, pela manhãzinha, transportei um jovem casal norte-americano do aeroporto para o (novo) America Diamond´s Hotel, situado no cruzamento da Rua Tomás Ribeiro com a Av. Fontes Pereira de Melo (Picoas). Um edifício histórico recuperado que manteve a fachada exterior e foi modernizado no interior. Ficou bonito!
A meio da manhã, subo a Av. da Liberdade e paro no Hotel Heritage, instalado num edifício de finais do século XVIII. Boa ideia, esta, de recuperar prédios antigos com história!
Transporto duas francesas e um francês ao Cristo Rei, espero que visitem o monumento e regressamos a Lisboa. Estão encantados com a cidade das colinas, ainda mais quando vista da outra margem. Quiseram regressar pela ponte Vasco da Gama. Tanto melhor para o taxista, a precisar de fazer a «folha»...
Foi agradável a viagem com os clientes parisienses. Naturalmente, as recentes eleições francesas foram tema de conversa. Ele votou em Nicolas Sarkozy, elas em Ségolène Royal. A mais jovem, sentada a meu lado, quis saber em quem votaria eu, se fosse cidadão francês. Respondi sem hesitar: «Em Ségolène!» Saltou do banco e... deu-me um beijinho!

9.5.07

Hoje chegou à Rocha Conde de Óbidos o navio-cruzeiro «Grand Princess», com 3.100 passageiros a bordo. Fui espreitar, à espera de encontrar o arraial do costume, mas deparou-se-me um cenário bem diferente: a polícia, em força, pôs finalmente ordem na bagunça, obrigando os táxis a perfilar-se por ordem de chegada. Os chicos-espertos ficaram cheios de azia... Um deles ainda tentou furar a ordem, foi lá dentro «sacar» um casal de idosos e preparava-se para zarpar, mas foi interceptado pela polícia. Assim, sim!
Pela minha parte, «tocou-me» um casal de idosos americanos. Simpáticos, além do inglês também falavam francês e espanhol. Torre de Belém, Jerónimos (sempre!), miradouro de Santa Catarina, Terreiro do Paço, Rossio, Castelo de S. Jorge, miradouro de Santa Luzia, Parque das Nações... e Senhora do Monte – um dos pontos mais altos e bonitos de Lisboa, onde faço questão de levar os turistas, quando estes me dão liberdade para escolher. Como foi o caso!

8.5.07

É o caos, todas as manhãs, para sair do aeroporto de Lisboa. Não há corredores «bus» e, ainda por cima, muito trânsito oriundo das zonas de Sacavém e Alverca vai ali desaguar para fugir à Segunda Circular. Gente que vem nos aviões da manhã para participar em reuniões fica com os cabelos em pé, porque chega atrasada. Seria assim tão difícil alterar este estado de coisas?
A propósito do aeroporto. Sou contra a existência de duas praças de táxis. A das partidas deveria servir só para largar passageiros; a das chegadas apenas para tomar clientes. É urgente pôr fim a esta bagunça!
Hoje chegou um barco de cruzeiro. Fui lá espreitar, à Rocha Conde de Óbidos, mais para observar aquele bazar marroquino que propriamente para apanhar serviço. Não há rei nem roque! Estive uns minutos a observar o cenário terceiro-mundista e zarpei para a minha «guerra». O mais grave é que a polícia e o Porto de Lisboa nada fazem para alterar este estado de coisas. Os táxis deviam «carregar» por ordem de chegada. Tão simples!