O fogareiro

Estórias de um motorista de táxi de Lisboa

29.12.06

Taxista é um repórter à solta na cidade. Pela minha parte, gosto de captar o «momento», o cliente que acrescentou algo à «corrida». Transporto dezenas de pessoas diariamente, mas só registo os factos que me deixam a pensar «naquela» viagem. A grande maioria, volvidos escassos minutos, perde-se na minha memória. Como é natural!
Não sou louco! Nas últimas semanas foram assaltados vários taxistas, todos por gente de origem africana. A «coisa» está a ficar feia e compreendo a reacção de muitos camaradas que trabalham à noite e se recusam a transportar «negros», mas custa-me aceitar a discriminação. O mesmo se passa em relação à comunidade cigana, também considerada de risco.
Hoje transportei um cidadão cigano ao Hospital de São José. Veio do Montijo, visitar um tio algarvio que foi internado de urgência, com o rosto desfeito, em consequência do coice de um cavalo. A situação era dramática para o meu cliente. Tentei confortá-lo, mas ao mesmo tempo senti (sem o mostrar) enorme prazer ao ouvi-lo falar da «desgraça» que aconteceu ao seu familiar, por quem revelou muito carinho. Não um «prazer» de gozação (seria incapaz desse sentimento mesquinho), mas pela forma como ele se exprimia. Gosto daquele jeito cigano de falar e de dramatizar as situações...

27.12.06

Ramona (avó), Maria Luísa (filha) e Gemma (neta) estão de visita a Lisboa e seguem esta semana para o Funchal, onde passam o Ano Novo. Três catalãs de Barcelona, três gerações. Coube-me ser motorista e guia turístico e confesso que passei dois dias muito agradáveis. No primeiro visitámos Lisboa; no segundo viajámos por Sintra, Cabo da Roca, Guincho, Cascais, Estoril... Deram-me luz verde para escolher os melhores locais e penso que não defraudei as expectativas das minhas clientes.
[Apenas um senão: ontem, terça-feira, houve tolerância de ponto e o Palácio da Pena esteve fechado. Fiquei sem palavras! Como é possível? Centenas de turistas à porta, incrédulos! Somos o «país do absurdo, um país sucessivamente adiado», como afirmou Alexandre O’Neill.]
Dois dias de viagens e... muitas conversas. A avó Ramona, de 87 anos, lúcida e com memória de elefante, falou-me dos tempos em que a língua catalã era proibida na própria Catalunha; e das barbaridades da Guerra Civil de Espanha. Maria Luísa, mais reservada, não se deu bem com as curvas da serra de Sintra (apesar da condução suave...) e só no Cabo da Roca deu um ar da sua graça, maravilhada com a paisagem deslumbrante.
A conversa com Gemma versou outros temas. Advogada em Barcelona, falámos de política, economia... Disse-me, nomeadamente, que o «boom» da economia espanhola chegou ao fim. E a questão da autonomia da Catalunha?, quis eu saber. Gemma esboçou um sorriso: «Damos muito à Espanha e nada recebemos em troca.»
Despedimo-nos no átrio do bonito Hotel Pestana Palace. A avó Ramona fez questão de dar um beijinho ao motorista. E eu fiquei embevecido com a simpatia destas três catalãs que me proporcionaram dois dias bem diferentes.
– Gràcies! (em catalão)
– Obrigado!

Um sorriso contra o frio

Luminosa mas apressada, Maria José surge na esquina da grande alameda. Veste um longo sorriso contra o frio, como se fosse um cachecol. Tem uma memória justificativa para a pressa que nos leva a beber o café e comer a empada ao balcão. Em voz baixa explica o problema: «O meu pai abre a porta a toda a gente…» Ora abrir a porta a toda a gente é hoje em dia um problema na grande cidade, mas era habitual há sessenta anos, quando o pai de Maria José veio da aldeia para Lisboa para conduzir um táxi.
Arrumado o automóvel verde e preto, finda a corrida, o pai de Maria José faz fisioterapia todas as semanas e sorri para as netas que invadem a sua casa de tarde à procura do lanche e dos trabalhos de casa que se misturam com as brincadeiras próprias da idade. Maria José torna-se uma enfermeira sem diploma junto do pai e uma monitora infanto-juvenil junto das sobrinhas.
Tal como um poeta que morre para que o poema viva, tal como o autor que se dilui na obra, Maria José não tem tempo para si e veste um longo sorriso contra o frio e contra a sua solidão povoada. Mas o Mundo é pequeno e ainda tenho tempo para lhe recordar a semelhança entre a Fonte Luminosa e a sua aldeia lá na serra do Açor. Ambas são um Monte Frio. Só que este monte frio onde nos encontramos a correr é povoado por centenas de automóveis, é poluído por ruídos e faz um apelo à deserção.
O outro Monte Frio é um chamamento a ficar, entre as pedras da serra e a água do rio Ceira. Sem esquecer as casas, o calor da lareira, o fumo debaixo dos chouriços, o pão quente a sair do forno e o vinho que faz vibrar todos os sentidos de prazer. Luminosa mas apressada, Maria José surge na esquina da crónica e permanece mesmo quando diz adeus.

José do Carmo Francisco

22.12.06

O «Cemitério de Pianos» de José Luís Peixoto

Nos Jogos Olímpicos de 1912, em Estocolmo, o maratonista português Francisco Lázaro morreu ao quilómetro trinta. Era carpinteiro numa oficina do Bairro Alto e vivia em Benfica. A partir deste «drama em gente», José Luís Peixoto organiza uma ficção na qual se permite algumas fugas ao verosímil.
Por isso há passeios em Monsanto, há a telefonia a tocar, há semáforos e há telefones na casa do carpinteiro, ou seja, quatro coisas que não existiam em 1912. Mas o que José Luís Peixoto alcança é uma ponte entre a realidade real de um carpinteiro atleta de 1912 e uma família de um certo tempo português. Uma família onde os alcatruzes da vida colocam amor e morte em doses iguais, onde se respira o verso de um folheto. O verso é o seguinte: «enquanto um de nós estiver vivo seremos sempre cinco».
Tal como num poema ou numa oração, as palavras de José Luís Peixoto ligam de novo duas realidades que o tempo separou. As páginas deste livro são um encantatório ponto de encontro entre verdade e ficção. Mas sem equívocos.
O narrador avisa: «O tempo, conforme um muro, uma torre, qualquer construção, faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. O tempo mistura a verdade com a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que contaram que me aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento.»
Este «Cemitério de Pianos» é a inesperada, fascinante e impressiva metáfora do Tempo Português do século XX. E a prova de que a única resposta à morte só pode ser o amor.

José do Carmo Francisco

21.12.06

A poesia do futebol

[«Eles ganham mas à vezes perdem. Eles vivem mas às vezes morrem. Sempre que sofrem um golo impossível, sempre que no último minuto se deixam bater e um resultado muda, é uma pequena morte. Um esquecimento negro esconde no olhar dos adeptos todas as defesas, todas as intervenções positivas dos restantes minutos.»]

«Os Guarda-Redes Morrem ao Domingo» é um livro de José do Carmo Francisco, escritor que tem no futebol uma das suas fontes de inspiração. A exemplo do norte-americano Ernest Hemingway, que fez de Espanha a sua segunda pátria e escreveu sobre as corridas de toiros, também José de Carmo Francisco conheceu a natureza profunda desse outro «ritual» que é um jogo de futebol, identificando-se com o jogador, assimilando-lhe a glória e a tristeza e transformando-as em poesia, «obrigando-nos» a uma reflexão sobre a própria vida. «Durante uma corrida sinto-me muito bem, tenho o sentimento da vida e da morte, do mortal e do imortal. Terminado o espectáculo, sinto-me muito triste, mas maravilhosamente bem», escreveu Hemingway, simbolizando nas corridas de toiros o conflito do homem com a morte.
Manuel Alegre, também autor de belos poemas sobre o futebol e os seus principais intérpretes, traçou assim o perfil de José do Carmo Francisco: «É um dos raros poetas portugueses que foram capazes de perceber a poesia do futebol. O primeiro poema que li dele, belíssimo, foi sobre Manuel Fernandes. Como Drumond de Andrade ou Cabral de Melo Neto, José do Carmo Francisco quebrou o tabu e o preconceito. Num tom por vezes coloquial, com um lirismo quase pudico e um sábio prosaísmo, ele sabe transmitir-nos o mistério e a magia do jogo, a festa e a tristeza, a angústia, a ânsia. É um excelente poeta que captou o essencial da poesia moderna e trouxe à nossa literatura um dado novo: a poesia do futebol. O ‘Mito de Pepe’ ou ‘Vasco em Elvas – 1946’ (ano em que o Belenenses foi campeão) são grandes poemas que merecem figurar em lugar de destaque em qualquer antologia da poesia portuguesa.»
Sportinguista, José do Carmo Francisco acompanhou durante vários anos o futebol jovem dos «leões» e escreveu, semanalmente, crónicas no jornal do clube, além de ter colaborado em A BOLA. «Todos jogamos para não morrer, todos escrevemos para não morrer. Para mim, desde sempre e talvez para sempre, futebol e poesia são dois ramos da mesma árvore.»

PS – Já não é a primeira vez que falo de José do Carmo Francisco, amigo de longa data. Só agora descobriu «o fogareiro» e teve a gentileza de me enviar alguns poemas e textos inéditos. Este «cantinho» fica mais rico, e de que maneira!, com tão preciosa colaboração.
Obrigado!

20.12.06

Pausa nas «corridas» para assistir ao lançamento do primeiro livro do Adriano, um ex-companheiro de trabalho e, acima de tudo, um bom amigo.
O convívio aconteceu no bar do Chapitô (Bartô), na Costa do Castelo. O livro tem um título esquisito à brava («Esquizofrenias de Bolso»), mas vale a pena ler as estórias surrealistas do Adriano. O talento e a imaginação à solta!
E, já agora, uma referência para o editor, o Nuno, também um bom amigo. Fundou uma editora original (Sombra do Amor), em parceria com «nuestros hermanos», está a dar os primeiros passos e desejo-lhe toda a sorte do mundo.

15.12.06

A baliza desguarnecida de Sozinho Armando

Nélson Saúte – sociólogo e escritor moçambicano pouco conhecido em Portugal. A leitura de «O Apóstolo da Desgraça» levou-me a redescobrir novos sons, novas cores, o prazer de ler estórias. «A baliza desguarnecida de Sozinho Armando» é um dos contos que aqui reproduzo, com a devida vénia:

Sozinho Armando saiu do estádio superlotado de alegrias. Já descia o atalho que o levava do futebol, mas a multidão ainda lhe habitava, a claque vibrando em seus ouvidos. A imagem do jogador do Maxaquene ainda rematava na sua memória o golo da vitória. Era urgente comemorar. No bar O Bazuqueiro sentiu a sua multidão, aplaudindo a cerveja. Cada copo comemorava um golo. Lembrou-se da promessa à saída do estádio: hoje não vou bater na Esmeralda. Até lhe vou levar uma prenda, ela merece tal alegria.
De facto, ela merecia. Afinal, a paga dos seus sacrifícios eram pancadas, todos os dias, depois do encontro com os copos. Ela se encolhia nos seus choros, amparando os filhos para os proteger das sobras da porrada. Esmeralda ouvia os relatos, mesmo não gostando da bola. Queria saber se o Maxaquene ganhava ou não e assim adivinhava como seria a chegada do marido. Sozinho Armando descarregava nela a euforia das multidões. Debruçada sobre o Xirico, os rádios que o socialismo inundou no país, Esmeralda jogava à baliza do Maxaquene. O avançado adversário fuzilava o guarda-redes e ela levantava voo, os sonhos dela caíam sobre o parquet. Nessa tarde, ela também recebeu o troféu da vitória.
Entretanto, no bar O Bazuqueiro os copos vazavam-se na alegria de Sozinho Armando. Prenda! Para quê prenda?! Uma mulher não pode levar muito mimo, senão fica estragada.
Ele pensava na Esmeralda: será que ela ouvia o relato sozinha?! Como é que o vizinho, um gajo do Desportivo, sabia o que se passara no jogo mesmo sem ir ao estádio?! Ouvia na rádio?! Como, se ele não tinha rádio! Ou ouvia os relatos no Xirico familiar e ao colo exclusivo da Esmeralda?! A suspeita azedava mais que a cerveja. A alma embriagava-se mais de desconfiança que o álcool. Ele perguntava: será que a Esmeralda tinha coragem para fazer uma coisa dessas?! Mesmo com todas aquelas porradas que lhe dedicava, indubitáveis provas de amor?!
Não!, gritou ele, silenciando a multidão. E, de repente, o estádio ficou desabitado. Sentiu-se só, a baliza desprotegida, o vizinho avançando na grande área. O Desportivo estava prestes a concretizar quando ele derrubou a mesa, partindo todos os copos.
Mas como é?! Não há árbitro nesta merda do jogo?! Porque era bem visível que o vizinho estava fora de jogo, em nítida posição irregular. Assim confirmaram, rindo-se, os clientes do bar O Bazuqueiro.
Entretanto, em casa a mulher preparava a chegada triunfal do homem que trazia os golos nos ombros, galardoado de vitórias. Colocou à vista um vaso que Sozinho Armando chutara para um canto na anterior derrota. Remendou a dor daquela lembrança enchendo o vaso com flores. Foi mesmo mais longe, recolocando na parede o poster rasgado da mulher nua deitada sobre um carro. Olhou o rasgão no cartaz: aquela rotura era a fronteira que dividia o mundo dela e o dele. E depois sorriu: afinal, quem estava rasgado não era o papel mas aquela mulher que invadira a sua soberania. Que estrutura teria emitido guia-de-marcha para aquela mulher se intrometer no reino sagrado que era seu e dos seus filhos?! Mas agora, olhando de novo o cartaz, ela sentia-se dona da situação. Ela, Esmeralda, é que convidara a mulher nua a partilhar da alegre chegada de Sozinho Armando.
Já o seu contentamento enchia a sala, Esmeralda cantando tanto que a voz transbordava. Os vizinhos escutavam tamanha alegria, saudavam o Maxaquene, autor de golos e da felicidade tão momentânea de Esmeralda, sempre magoada de tristezas, sempre derrotada no campeonato da vida.
É então que chega a casa Sozinho Armando. Escutando o derramar da alegria, ele inquieta-se. Qual o motivo de tanta festa na Esmeralda?! Só podia ser a confirmação da sua suspeita: o vizinho do Desportivo marcara golo na sua baliza desguarnecida!

Nélson Saúte

12.12.06

Respondo a uma chamada da Rádio Táxis. À minha espera, no Hotel Avis, tinha duas italianas de meia-idade, que se dirigiam para o aeroporto, com destino a Milão, após quatro dias de estada em Lisboa. Transportam as respectivas malas e... uma embalagem de tamanho razoável que me pedem para tratar com muito cuidado. «São pastéis de nata!»
Paola e Luciana gostaram de Lisboa e prometem voltar. São atrevidas (no bom sentido) e brincam com o motorista, «Manuele»:
– Arrivederci, bambino!
– Arrivederci, cuore!
Até sempre, belas italianas! Que pena estarem de partida...

11.12.06

A polícia pôs em prática uma operação de fiscalização aos imigrantes do Leste europeu, no terminal rodoviário da Gare Oriente. Ionel, romeno radicado há cinco anos em Portugal, foi de táxi ao Bairro de Angola, em Camarate, buscar o passaporte de um amigo, a contas com as autoridades portuguesas.
Ionel fala bom português. Há muitas semelhanças entre as línguas romena e portuguesa e torna-se fácil a aprendizagem. «Trinta por cento das palavras têm raiz comum», diz-me. E há muitas palavras iguais (pai, mãe, filho...), conforme tivemos oportunidade de confirmar durante a viagem.
Quis saber o que levou Ionel a vir para Portugal. A resposta surgiu rápida: «Lá ganhava 200 euros por mês! E tenho dois filhos...»
– Obrigado!
– Multumesc!

7.12.06

Hoje apanhei um grande susto. Por pouco não atropelei uma senhora idosa, na Rua de São Bento. Ela atravessava a via num local sem passadeira, mas via-a ao longe e não vislumbrei qualquer perigo. Porém, a senhora chegou ao passeio e, absorta nos seus pensamentos, fez inversão de marcha e ficou de novo no meio da rua, na altura em que já me aproximava do local. Como circulava a baixa velocidade, consegui travar a tempo, mas fiquei muito nervoso e a pensar nas «armadilhas» que se nos deparam na cidade, mesmo aos condutores mais prudentes, como penso ser o meu caso.

6.12.06

Na Holanda mandam as mulheres e os ciclistas

O António Pereira, esteja onde estiver, será sempre um dos meus melhores amigos. A crónica que a seguir transcrevo (com a devida vénia...) foi escrita na Holanda, ainda ao serviço de A BOLA.

Na Holanda mandam as mulheres e os ciclistas. Estes últimos estão em todo o lado, surgem do nada e atravessam-se à frente dos carros com a mesma naturalidade com que falam ao telemóvel ou montam a bicicleta de canadianas aos ombros, serpenteando alegremente pela infindável rede viária de que dispõe toda a cidade.
Eu, eterno pendura, divirto-me com esta saudável irresponsabilidade, enquanto o Pona, mais rotinado na agressividade verbal das estradas portuguesas, não se cansa de praguejar contra estas melgas, mas tão consciente como eu de que atropelar um deles é mais grave que abalroar uma vaca sagrada nas ruas de Bombaim.
A mesma consequência enfrenta o marido que se atreva a violar o espírito da «ladies night», ou não fossem as rainhas o maior factor de união do povo holandês. Juliana ou Beatriz, uma delas deu um forte contributo à causa feminina ao institucionalizar as quintas-feiras como o dia da mulher, o mesmo é dizer que o marido fica em casa a tomar conta dos filhos, enquanto a mulher sai para o forrobodó ou o que bem lhe apetecer. E escusam eles de montar vigilância, porque em toda a cidade os bares e as discotecas só permitem entrada aos homens já a meio da noite.
Para mim, será, porventura, o maior desafio ao meu conceito de igualdade de direitos e abstenho-me de dizer publicamente o que penso do assunto. Mas dei comigo a rir sozinho nas ruas de Amesterdão, só de imaginar a reacção de alguns maridos que conheço em Lisboa se fossem induzidos a fazer esta pequenina cedência...

António Pereira

Chuva intensa em Lisboa. Transporto uma professora à Escola Marquesa de Alorna. Impossível sair do carro, sob pena de ficar encharcado. Ficámos a conversar durante um bom quarto de hora. E passei a conhecer melhor a situação dos professores. Vida difícil!
«Esta ministra virou a opinião pública contra nós», lamentou, ao mesmo tempo que se queixou da falta de meios nas escolas e da inadequação de muitos programas à realidade actual.
A conversa foi longa. Senti que a professora estava desencantada. Se calhar, a ministra precisa de poisar os pés na terra e conhecer melhor a realidade das escolas, em vez de passar a vida a bater nos professores...

30.11.06

Foi um dos primeiros taxistas com quem me relacionei. Homem educado, bom conversador, carro sempre limpo, Manuel Brazuna gosta de «fazer» o aeroporto e alguns hotéis, porque lhe falta paciência para aturar certo tipo de clientela. Transportou meio-mundo e guarda uma lista de clientes «notáveis», alguns já desaparecidos. Sousa Franco, Lucas Pires, Dias da Cunha, João Maria Tudela, Vitorino, Vicente da Câmara, João Braga, Pedro Lamy, Rosa Lobato Faria, Duarte Nuno, Vítor Melícias, Natália Correia, Margarida Sousa Uva, Sophia de Mello Breyner...
Quando lhe pergunto quais os nomes que mais o marcaram, Brazuna fala-me de Natália Correia e das «corridas» agradáveis até ao (bar) Botequim, na Graça; de Sophia e daquela viagem em que a poetisa se esqueceu do dinheiro, facultando-lhe a morada (também na Graça) para o taxista ir receber no dia seguinte; e de Margarida Sousa Uva, esposa de Durão Barroso: «É muito simpática. Estivemos 20 minutos a falar de política. Zurzi em toda a gente e no final ela estranhou:
– Ainda não bateu no meu marido!
– Se esperar mais um bocadinho...»

Quem nunca levou uma «banhada»? O Vítor é novo nestas andanças de «fogareiro» e já teve o seu baptismo de fogo. Aconteceu no bairro Santa Filomena, na Amadora. Num abrir e fechar de olhos, a cliente zarpou. Mais corrida, menos corrida, do mal o menos... Há coisas bem piores!
Quando se fala em «banhadas», logo vem à baila o tio João, um taxista veterano. Um dia transportou um jovem casal para o Barreiro. Fazia-se acompanhar de uma alcofa com um «bebé». À chegada, «ele» pediu-lhe para aguardar uns minutinhos, enquanto ia levantar dinheiro. Demorou mais tempo que o normal e «ela» foi ao seu encontro, solicitando ao taxista para tomar conta do «bebé». O tempo passava e «eles» não apareciam. Até que o tio João decidiu espreitar para a alcofa. O «bebé» era de plástico!

É jovem, a brasileira de olhos lindos, mas tristes. Apanha o táxi na Praça da Figueira, faz-se acompanhar de uma mala grande e dirige-se para o aeroporto de Lisboa. Chegou há cerca de um mês a Portugal, mas o seu destino é a Espanha.

Foi alto dirigente do Partido Socialista. Hoje milita nas bases. É professor universitário e o táxi é o seu meio de transporte preferido. Falámos de política. Às tantas disparei: «Sócrates e Cavaco estão bem um para o outro...» O meu ilustre cliente esboçou um sorriso e acrescentou: «Uma certa arrogância na maneira de fazer política...»

PS – Ofereço uma «corrida» a quem adivinhar o seu nome. Dou algumas pistas: é do Benfica, foi ministro dos Negócios Estrangeiros e vai lançar, brevemente, um livro sobre relações internacionais.

Atravesso o túnel da Av. João XXI. Paro nos sinais do Campo Pequeno. Uma mulher sai disparada do carro da frente, depois de bater com a porta. Apercebendo-se de que o táxi está livre, entra de rompante e pede-me para levá-la à Estrada de Benfica. Vem agitada e deixa escapar: «Não quero ver mais aquele cafageste!»

28.11.06

A vingança do javali

Mais parece anedota, mas não é! A estória, verdadeira, passou-se na estrada de Montes da Senhora, bonita aldeia beirã, e fez-me lembrar aquele exemplo crónico que se estuda nos manuais de jornalismo e serve para ilustrar o que é e não é notícia. Ou seja: se um cão morder um homem, não é notícia – trata-se de uma situação banal; já a inversa deve merecer tratamento jornalístico, por não ser vulgar.
Mas o personagem principal desta estória não é um cão. É uma espécie de filho-pródigo que em tempos regressou à região da Beira Baixa (por pouco tempo, porque os incêndios encarregaram-se de o dizimar) – o javali!
Andava toda a gente excitada com o raio do porco-bravo, que dá cabo das colheitas e... tem uma carne de bradar aos céus! Havia quem não dormisse noites inteiras à espera do javardo, aguardando-o nas veredas que dão acesso às hortas, em silêncio e de espingarda em riste, mas o bicho, matreiro, nunca aparecia nas noites «certas», esquivando-se como só ele sabe. E quando um era apanhado havia festa de arromba, só entre amigos, porque era proibido caçar tais bicharocos sem ser em montarias.
O Eduardo – mestre na enxertia de cerejeiras, videiras e tudo quanto dá fruto, para além de conhecer todos os segredos ancestrais das lides da lavoura – regressava a casa de moto, após o dia de trabalho. Estava lusco-fusco e numa recta que parecia não oferecer o mínimo perigo, aconteceu o imprevisto: o javali, enorme e cansado de tantas armadilhas, resolveu atacar o pacato motoqueiro. O Eduardo ficou estatelado no alcatrão com uma clavícula partida e várias outras escoriações. O bicharoco, indiferente, continuou o seu caminho, como que vingado das muitas partidas que o bicho-homem lhe pregara.
O feitiço virou-se contra o feiticeiro e o pobre do Eduardo, cheio de mazelas e com a moto escavacada, ainda lamentava: «Se ao menos conseguisse apanhá-lo! Sempre eram 50 quilinhos de carne boa e limpa...»

26.11.06

«Traumatismo ucraniano»

«Um ucraniano com cerca de 40 anos morreu (…) em Angra do Heroísmo [Açores], depois de se ter envolvido numa briga com um português, informou fonte policial. Segundo a PSP de Angra do Heroísmo, o ucraniano (…) bateu com a cabeça, sendo um traumatismo ucraniano apontado como causa provável da sua morte. A mesma fonte adiantou que o agressor foi dedito e encontra-se em prisão domiciliária.»
(In «Diário Insular»)

Depois do «traumatismo crâneo-insufálico», agora temos uma nova categoria de traumatismo – o «ucraniano». Uma relíquia!

Kasparov «vs» computador

Há determinadas categorias desportivas que teimam em «esconder-se» quando abordamos a temática do desporto na sua generalidade. O xadrez é, seguramente, uma delas, apesar de ser considerado (pelos entendidos na matéria) o jogo mais «fascinante» de todos os tempos.
«Mas porque será que aquelas pessoas ficam ali a olhar para aquelas figurinhas em cima de um tabuleiro? Não devem ser todos maluquinhos! Aquilo é capaz de ser giro...»
É vulgar ouvir este comentário. As «figurinhas» dão pelo nome de «peões», «cavalos», «bispos», «torres», «rainhas» e «reis», protagonistas principais de cativantes «batalhas» travadas num campo, em forma de tabuleiro, composto por 64 pequenos quadradinhos.
O fascínio pelo xadrez tem atravessado séculos, alimentado por estratégias, tácticas e técnicas de jogo em busca de um objectivo final: o «xeque-mate». Personalidades como Napoleão Bonaparte integraram o rol de adeptos incondicionais das virtudes do xadrez, um jogo essencialmente composto pela excelência do raciocínio e da capacidade de superar o oponente.
Mas nem por isso, e ao contrário do que seria suposto, os computadores conseguem vincar a sua aparente supremacia no domínio do raciocínio sobre o ser humano. E a partir do momento em que um miúdo de 15 anos se deu ao luxo de derrotar um campeão de nome Kasparov, é caso para acreditar que, de facto, estamos perante um jogo que... talvez seja algo mais que um simples «jogo».
Kasparov empatou com um computador potente, mas perdeu com Radjabov, um miúdo de 15 anos. Qual a explicação? «Hoje em dia existe uma ampla e acessível base de informação, aliada ao facto de estes jovens valores se treinarem seis a oito horas diárias e de terem técnicos particulares, o que faz com que a aprendizagem seja cada vez mais rápida. O que Kasparov aprendeu ao longo de anos, Radjabov assimilou em meses. As bases tácticas, estratégicas e técnicas do xadrez apreendem-se mais rapidamente e, a partir daqui, os jogadores distinguem-se pela criatividade e pelas novidades que apresentam», defende Ricardo Pais, xadrezista federado e apaixonado por este desporto «fascinante».
E quanto aos «matchs» Humano «vs» Máquina? «Estão muito mal contados. Não se percebe bem se Kasparov recebe para não 'humilhar' a máquina ou se para fazer com que esta evolua. Para ganhar é que não recebe, de certeza, pois já são vezes a mais em que tem posições empatadas teoricamente e insiste em abandonar. Está, nitidamente, a fazer render o peixe...», sustenta Ricardo Pais.

21.11.06

Aldeia das viúvas

Creio não ser novidade que as mulheres vivem mais tempo que os homens. Já li algo sobre o assunto, mas não me lembro onde e quando. Porém, se dúvidas tivesse, elas ficariam desfeitas ao visitar a bonita aldeia beirã de Monte do Trigo, no concelho de Proença-a-Nova. Só recentemente me apercebi de que grande percentagem dos habitantes, já de idade avançada, é formada por mulheres. Poderia apresentar uma estatística de toda a aldeia (é pequena), mas limitei-me a contabilizar a Rua da Sobreira: das dez casas lá existentes, sete são habitadas por viúvas. Esta realidade pode ainda ser confirmada no cemitério da aldeia – aos domingos, a percentagem de mulheres é muito maior que a dos homens.
Vultos negros vagueiam pelas ruas. Quando nos cruzamos, a conversa desagua quase sempre nos males de que padecem – os da alma e os outros. Recentemente, formaram uma pequena comunidade e rezam o «terço» ao fim da tarde. Depois, recolhem e não saem mais, porque o perigo de assaltos já não é exclusivo das grandes metrópoles.
[Gosto de visitar a aldeia, mas sou incapaz de viver lá muito tempo. Ao fim de uma semana, o lado urbano chama por mim. Mas faz-me bem respirar ar puro e dialogar com gente de outras vivências.]
As viúvas são pessoas tristes. Toda a vida amaram «aquele» homem e vivem das lembranças do passado. A religião católica é a sua âncora, mandam rezar muitas missas em memória dos falecidos.
Quando estou na aldeia, fico com a mente disponível para a reflexão. Não acredito em deuses, mas dão muito jeito... Que seria destas mulheres sem o seu deus protector?!

Trava-língua

Duda Guennes é autor da crónica semanal «Meu Brasil Brasileiro», a mais antiga da imprensa portuguesa, em «A Bola». Uma selecção dessas crónicas está publicada em livro, com o mesmo nome. «Bom de papo, Duda sabe infindáveis histórias, incluindo muitas pequenas e deliciosas histórias (...), engraçadas, invulgares, interessantes. Bem achadas e bem contadas. Confesso devoto de Nélson Rodrigues e Armando Nogueira, Duda tem uma forma peculiar de lhes pegar, uma escrita leve, solta, desenvolta. Em suma: é um magnífico cronista», escreve José Carlos de Vasconcelos, no prefácio. Não resisto a transcrever (com a devida vénia...) uma crónica do amigo Duda.

«A aranha arranha a jarra, a jarra arranha a aranha; nem a aranha arranha a jarra nem a jarra arranha a aranha.»

«O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo, que o tempo tem tanto tempo, quanto tempo o tempo tem.»

Trava-língua (enrola língua ou parlenda) é um pequeno texto, rimado ou não, de pronunciação difícil, que pode provocar hiatos, paráquemas ou cacófatos. Pois o velho trava-língua está a deixar de ser apenas brincadeira de crianças, exercício de dicção teatral ou lição contra a gagueira para ser matéria adoptada em várias estâncias no capítulo da auto-estima. Pessoas que querem perder o medo de se expor, de errar, que têm acanhamento, timidez e vergonha de comunicar estão aprendendo a se soltar com a utilização de trava-línguas. É fundamental para o desbloqueio da expressão, para ajudar os interessados em soltar a língua e aprender a falar bem nas relações pessoais e nas profissionais.
Saindo do universo infantil, o trava-língua passou a ser usado no teatro e na expressão corporal, e logo se percebeu que era uma arma utilíssima para contornar dificuldades em se expressar. Porque, quando a pessoa se solta, a linguagem começa a fluir naturalmente. Hoje, a velha brincadeira infantil merece ser estudada no campo da linguística e da semiologia e já é encarada como uma nova cadeira: a linguistoterapia.
Tudo indica que Amadeu Amaral e Alcides Bezerra foram os autores do termo trava-língua. É também conhecido como parlenda. Serve como obstáculo ou problema para desenferrujar a língua, porque quando dita pelas pessoas com rapidez enrola a língua de quem a está pronunciando.
Muitos trava-línguas, quando pronunciados ou cantados de maneira rápida, resultam em cacofonia (sons desagradáveis ou palavras obscenas, resultantes da união das sílabas finais de uma palavra com as iniciais da seguinte). É um recurso muito utilizado por repentistas para derrotar o adversário em pelejas. Podem aparecer também em forma de quadra: ficou famoso o desafio entre os cantadores Zé Pretinho e o Cego Aderaldo. Este último improvisou um trava-língua que deixou o adversário totalmente atordoado, sem poder repetir o mote: «Quem comprar a paca cara/paca cara pagará. / Pagará cara a paca/quem comprar a paca cara...»

Jararaca e Ratinho, famosa dupla do tempo de ouro da rádio, deixaram registada essa parlenda:

«Um sapo dentro do saco
O saco com o sapo dentro
O sapo batendo o papo
E o papo cheio de vento.»


Há outras:

«Num ninho de mafagafos
Seis mafagafinhos há;
Quem os desmafagafizar,
Bom desmafagafizador será.»


E mais:

«Lá vem o velho Félix
Com um fole velho nas costas
Tanto fede o velho Félix
Como o fole do velho Félix fede.»

20.11.06

Reportagem no Jornal da Noite - SIC

19.11.06

Há tempos, a SIC fez uma reportagem com o taxista blogger. Patrícia Almeida «pegou» numa estória de «o fogareiro» e desenvolveu-a, tendo como cenário o Cabo da Roca. A reportagem foi emitida hoje no Jornal da Noite. Pela primeira vez um taxista teve honras de prime time... :) Confesso que gostei do trabalho da jornalista da SIC.
Mais habituado às palavras, reconheço, no entanto, a força da imagem. Mal a reportagem terminou, o meu telemóvel ficou entupido e dispararam as visitas a este cantinho. Até um amigo dos tempos da tropa me telefonou!
E agora, Manel? Estavas tão sossegadinho da vida... Devo uma justificação aos amigos cibernautas – fiz uma pausa nas lides fogareiras, por imperativos de saúde (nada de muito grave). Em breve espero regressar com mais estórias, ou melhor, mais bilhetes postais de Lisboa... e não só!

27.10.06

Abundância e Macarrão

Em tempos, após uma jornada da Taça de Portugal, diverti-me a descobrir nomes esquisitos de jogadores que actuavam, na altura, em Portugal. Carlos Pinhão, com o seu sentido de humor, achou piada e publicou, em A BOLA, os nomes giros do futebol português. Mais tarde, Fernando Tordo (esse mesmo, o das cantigas) «pegou» no tema e acrescentou à lista mais uns tantos nomes. Depois, foi a vez de Duda Guennes (o brasileiro mais português que conheço...) também publicar nomes giros de brasileiros (e que nomes!).

Partindo do princípio de que nem Eusébio é um nome vulgar, torna-se mais fácil perceber como é possível um tordo escrever a um pinhão. A minha mãe não pára de me chamar Nandito e até amigos meus, que são das músicas, me chamam «O Gordo». Não dá para ficar chateado. Eles também não se aborrecem quando os chamo de «Charmosos» ou «Marrecos», porque é sempre muito mais importante quem são e o que fazem. Muito bem, diga-se de passagem.
Vem isto a propósito da Taça de Portugal e da exaustiva relação de equipas e nomes de jogadores que o vosso jornal nos fornece nestas e noutras alturas, facto que ilustra o respeito que nos merecem todos os intervenientes desta popularíssima prova. Verificamos, então, que pelo meio de tanta equipa existem nomes de jogadores que nos trazem ao rosto e ao espírito um sorriso, não o sorriso de escárnio mas o sorriso feliz de quem consegue encontrar, até nos nomes de alguns jogadores, a alegria do grande jogo -- o futebol.
Neste caso, em vez de os procurar isoladamente e fazer uma selecção, vou mais além e escolho (mandando para toda ela um abraço) a equipa do Serpa: Bicho; Fernando, Canhita, Pepe e Chorão; Gil, Pardal, Laguza e Rolim; Abundância e Macarrão.
Parabéns, igualmente, para o grande Lusitano de Évora, que não está nada mal aviado, não senhor... Não foi o excelente Frasco quem disse que, se não fosse o nome, se calhar ninguém reparava nele?
Para terminar, aqui vai uma lembrança do meu amigo Diamantino, que conheceu e viu jogar, lá para as bandas do Tojal, esta «colecção» que é apenas fabulosa: Gentil; Tempero, Vozona, Val do Rio e Paulinho; Entendido, Aparelho, Penteado e Chino; Pachalica e Vampiro.
Fernando Tordo

Nomes giros do futebol português

Maluka, Kongolo, Mito, Major, Kipulo, Mapuata, Kiki, Escurinho, Bombas, Bala, Caneco, Fan, Mozart, Babá, Tonrró, Picoto, Cachina, Zaica, Lila, Gaivoto, Pirata, Tuna, Sambaro, Palmeirão, Mocho, N´habola, N´Dinga, Amante, Americano, Biginho, Beazia, Basófia, Becas, Buraquinho, Chapita, Chorão, Canastra, Cabaceira, Cobra, Cabritos, Camões, Copita, Catalão, Caraça, Cacau, Carocha, Chedas, Carapau, Capacete, Carrana, Cuca, Coca, Calçador, Charrua, Cepeda, Chalana, Carioca, Chicão, Caló, Cossanta, Comboio, Chanica, Chapa, Camané, Canã, Esmada, Eira, Elisário, Falica, Gato, Gabirro, Gaivota, Galvanito, Ginho, Garran, Guerrinha, Gaipo, Israel, Inglês, Joca, Jojó, Jacol, Janota, Kafa, Ladela, Lúzio, Lazeiro, Machão, Migidio, Martelo, Mussá, Maneco, Margalho, Machina, Mergulhão, Milhães, Mansilha, Maninja, Minho, Moleiro, Mirradinho, Nacib, Nino, Oeiras, Ourives, Popina, Pixote, Picanço, Piranga, Preguiça, Paciência, Piloto, Picado, Paganini, Pirra, Peruano, Passarinho, Pejo, Pelé, Quinotes, Rim, Rui Belo, Ruefe, Rilhas, Rodeia, Serambeque, Sanina, Stugo, Santo António, Safarra, Sinaleiro, Sereno, Segura, Tadeu, Tatera, Tróia, Tutas, Tita, Tute, Viçoso, Vitinha, Vilacova, Xuxa, Zoinho, Zorrinho...

E nem os árbitros escaparam: Banha, Portulês, Júlio Dinis, Andrelino, Sargaço, Caipo, Cortiço, Estriga, Sabença, Costeira, Ourives, Amendoeira, Caracol, Vacas, Caroço, Crujo...

Camané. Um dos nomes mais representativos da nova geração de cantores que reconciliou o grande público com o fado. Tem enorme respeito pela tradição: Amália, Alfredo Marceneiro e Carlos do Carmo, entre muitos outros, são fadistas que cita com frequência, sem abdicar de percorrer o seu caminho. Não enjeita o passado, mas acrescenta-lhe «mais alguma coisa», porque outros são os tempos. «O fado conta a vida. A vida de há 30 anos era diferente, mas os sentimentos são os mesmos: a tristeza e a alegria existem, as razões é que são outras.»
No fundo, Camané construiu «uma canção dentro da mesma canção», deu voz a novos (e antigos) poetas (Aldina Duarte, José Mário Branco, Manuela de Freitas, Amélia Muge...), mas sempre no respeito pela tradição. A guitarra, a viola, o contrabaixo e, naturalmente, a sua voz inconfundível fazem dele «o maior herdeiro dos grandes nomes do fado».

Júlio/Saul Dias. Irmão de José Régio. Viveu no Porto, colaborou em vários jornais, cultivou o desenho, a pintura e a poesia. Há uma relação muito próxima entre a sua produção poética e a sua actividade como artista plástico. Tomei contacto com a sua obra através da Maria João Fernandes, que publicou um livro («Um destino solar») sobre o autor, na Imprensa Nacional. Vale a pena conhecer a obra deste artista multifacetado.
«Quando se ama o abismo é preciso ter asas», assim explicou Júlio/Saul Dias, através de Nietzsche, as várias e complementares vertentes da sua obra. «Sonho com um futuro em que a felicidade seja possível. Mas já me disseram que pinto um amor que não existe», acrescentou.


Escrevi um livro.
Quantos anos a sonhá-lo,
A rascunhá-lo nas mesas dos cafés,
A escrevê-lo nos intervalos do emprego,
A vivê-lo,
A sofrê-lo,
Na província, nas cidades...!

Criei um filho.
Tanta alegria no meu coração!

Só ainda não plantei uma árvore.
O frágil caule como protegê-lo?
Como não deixar que os bichos
Maculem as pequeninas folhas?
E como dialogar com uma árvore-menina?
Agora vai sendo tempo.
Os anos já me pesam.
Amanhã vou plantar uma árvore.


Saul Dias («Essência»)

Tu sabes,
Conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Excerto do Poema «Caminhando com Maiakovski», de Eduardo Alves Costa, publicado no livro «Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século», organizado por José Nêumanne Pinto.

JOSÉ BAÇÃO LEAL. As suas poesias foram recolhidas pela mãe, carinhosamente, dos rascunhos que deitava fora. «Sensibilidade nova, exigente e generosa, marcada por uma ânsia radical de verdade», assim falou Urbano Tavares Rodrigues do poeta que morreu em Nampula (Moçambique), durante a guerra colonial.
O seu testamento («Poesias e Cartas»), descoberto num alfarrabista, é uma das minhas «âncoras». Frequentámos os mesmos cafés (Copa, Mexicana, Império...), partilhámos a mesma angústia (guerra colonial) e a mesma esperança (liberdade).

ORAÇÃO DE VENCIDO

Já se esqueceram as nuvens
A alegria voltou ao rosto das luzes

Os homens do campo
que poderiam ser meus irmãos
são agora estranhas sombras
formulando gestos

Eu vou descendo os degraus da noite
com o passo marcadamente incerto
dos que não sabem perder

e perderam

Caminho em busca da renúncia
com flechas de vento
nas asas da derrota

Levo na cinza dos meus olhos
toda aquela angústia branca
que viceja na espuma dos meus dedos

Por entre pedras e poemas
bêbado e só
eu vou cantando

a minha oração de vencido

José Bação Leal

A última aguardente do Tio Nascimento

É sempre com prazer que leio José do Carmo Francisco, velho amigo e poeta que também dedica parte do tempo às lides da bola. Somos de clubes diferentes (ele do Sporting, eu do Benfica), mas isso que importa quando a amizade «é um posto». A crónica que se segue foi-me oferecida pelo autor. Tem, para mim, a particularidade de falar de uma região que conheço bem, ilustrada com uma foto da bela praia fluvial da Fróia, onde costumo poisar quando piso solo beirão.

Bebo devagar um cálice de aguardente branca e muito leve, puríssima e macia, tal como saiu do alambique no passado mês de Setembro. É uma aguardente que não pesa no estômago e que torna as digestões mais suaves. Mas não a posso gastar muito depressa porque esta aguardente é uma memória viva do meu Tio Nascimento e da sua Atalaia do Ruivo, paisagem perfeita entre sol e pó, entre pedras e pinheiros, entre água e vento. Lugar mágico onde a terra quase se junta ao céu numa espécie de oração sem palavras.
Dois dias antes de morrer com o coração cansado e incapaz de trabalhar mais, este homem que foi em novo ceifar todas as searas do Alentejo e das regiões espanholas fronteiriças estava possuído de um vigor inesperado e obrigou os filhos e as noras a trabalhar ainda mais para entregar o bagaço e o folhelho da uva a um certo alambique para os lados da serra das Corgas. Depois foi fazer uma festa ao burro e enxotar as galinhas antes de olhar as cabras. Entretanto, morreu na grande cidade, um dia antes de fazer a intervenção cirúrgica que lhe poderia ter prolongado a vida, caso corresse bem. Mas não correu.
Hoje este gesto de beber um cálice de aguardente tem para mim o valor de um regresso. Esta bebida guardou a paisagem povoada pelo Tio Nascimento, entre o seu lugar de sempre, a sua casa dos ventos onde se vê ao longe um bocado de Espanha e mais perto a terra das cerejeiras em flor. Essa paisagem povoada onde o corpo do Tio Nascimento descansa no cemitério da Sobreira Formosa, mas onde o espírito circula no sabor macio e puro, leve e branco desta aguardente que não pesa no estômago. Porque incorpora a memória destilada de um homem cheio de humanidade.
José do Carmo Francisco

19.10.06

Aperaltaram-se com o fato domingueiro para vir à consulta em Lisboa, no Hospital Ordem Terceira, as duas mulheres de sessenta e tal anos, residentes na região de Pombal. Vieram prevenidas — trouxeram a comidinha num cesto de verga. Estão de regresso à terra e... são muito divertidas.
À passagem pelo Marquês de Pombal, uma delas desabafa: «Nunca mais acabam as obras do tonel!»
«Do tonel?!», reage a outra. «Túnel! Tonel é para armazenar o vinho! Ai que vergonha! Ó mulher, dás cada pontapé na gramática!»
E soltaram uma boa gargalhada.

***
Veio do Porto, no avião da manhã, para uma reunião da SONAE. É funcionário da empresa de Belmiro Azevedo. Viagem demorada até Carnaxide, devido ao trânsito. Tempo para algumas conversas: a OPA sobre a PT, o jornal «Público» (da SONAE), a crise de emprego no Norte do País...
Como é natural, o homem é um defensor acérrimo das políticas de Belmiro. «Paga bem, o seu patrão?», provoquei. «Depende! Mas a SONAE, por norma, paga salários baixos, porque aposta na rotação do pessoal...»
Fiquei esclarecido!

12.10.06

Festa de aniversário do Lux. Gente fina é outra coisa! «Podia entrar qualquer pessoa?», provoquei a cliente, vestido futurista cheio de brilhantes, mas amachucado, depois de uma noite d’arrasar.
[Pobre taxista que se farta de «carregar» na discoteca de Santa Apolónia e não teve direito a um convitezinho, nem que fosse para beber uma cervejola...]
«Não! Só por convite...», respondeu-me a cliente, olhos semifechados (seria do álcool ou do sol da manhã?) e desejosa de chegar à Lapa (sim, porque vir da festa do Lux, «só por convite», e morar na Pechileira... não faria sentido).
Crise? Qual crise! Só para o zé-povinho que se farta de azucrinar os ouvidos do taxista com a maldita crise e mais as engenharias do «primeiro» Sócrates. Do que este país precisa é de mais festas (e de um Benfica bem forte).
No próximo ano, se ainda aqui estiver nesta vidinha de «fogareiro» (duvido muito...), garanto que hei-de arranjar um convite para a festa do Lux. Mesmo que para isso tenha de corromper a relações-públicas ou o porteiro da discoteca mais famosa de Lisboa. Sim, porque essa coisa do combate à corrupção, mesmo com o novo procurador Monteiro, ainda vai durar uns anitos...

4.10.06

«Eles ganham mas à vezes perdem. Eles vivem mas às vezes morrem. Sempre que sofrem um golo impossível, sempre que no último minuto se deixam bater e um resultado muda, é uma pequena morte. Um esquecimento negro esconde no olhar dos adeptos todas as defesas, todas as intervenções positivas dos restantes minutos.»

«Os Guarda-Redes Morrem ao Domingo» é um belo livro de José do Carmo Francisco, escritor que tem no futebol uma das suas fontes de inspiração. Lembrei-me de reler algumas páginas, a propósito do golo sofrido por Quim (Benfica), por entre as pernas, no jogo de domingo com o Desp. Aves, no Estádio da Luz.

2.10.06

Gosto da Graça. Vi os primeiros filmes no cinema Royal, subi imensas vezes a Calçada do Monte, desde o Martim Moniz, só para poupar os sete tostões do Eléctrico e... juntar dinheirinho para o bilhete de cinema no fim-de-semana...
Julgava que já bem conhecia Lisboa, mas ainda sou surpreendido. Hoje, uma senhora idosa (D. Maria Ana) foi visitar a irmã à Casa Nossa Senhora da Vitória, na Rua Josefa Maria. Não conhecia o lar nem a rua, apesar de ficarem paredes-meias com a Rua da Graça e a Rua Senhora do Monte, no Bairro Estrela de Ouro.
A D. Maria Ana, muito simpática, indicou-me o caminho e contou-me a história da Casa Nossa Senhora da Vitória, mandada construir por um tal (abastado) Agapito para alojar os seus trabalhadores. Hoje é um lar de idosos com muito bom aspecto (pelo menos por fora...) e amplos espaços, onde apetece repousar.

22.9.06

Manhã caótica em Lisboa, no primeiro dia de Outono. Greve no Metropolitano, chuva intensa e vento forte (os efeitos colaterais do furacão «Gordon»...). Muito trabalho para os taxistas. Se ao menos pudéssemos circular... Uma hora do aeroporto às Amoreiras e os executivos espanhóis em desespero, por não chegarem a tempo à reunião programada. Foi a primeira vez que vi Santa Apolónia sem táxis... Uma fila enorme e um beirão em primeiro lugar. Há seis anos perdeu uma perna num acidente de moto e veio a Lisboa substituir a prótese. Custou-me imenso a «corrida» até à Av. Marquês de Tomar. Não tanto pela conversa, que girou à volta de motos e suas desgraças – mais pelo cheiro nauseabundo que o homem exalava. Terminada a «corrida», limpei o banco (sentou-se a meu lado) com detergente e exagerei no spray bem-cheiroso, mas o odor era tal que ainda agora está entranhado no meu... cérebro.
Ossos do ofício!

17.9.06

Não dispenso o «Livro Aberto», programa de Francisco José Viegas, na RTPN. Hoje, o convidado foi José Eduardo Agualusa. Uma conversa muito interessante que me prendeu ao televisor do princípio ao fim, tanto mais que li alguns dos seus livros.
No final do programa li (na Internet) uma entrevista de Agualusa ao jornal «Época», na qual fala de António Lobo Antunes e José Saramago, da melancolia portuguesa e de muito mais... Não resisto a transcrever, com a devida vénia, duas passagens dessa entrevista:

ÉPOCA - E os autores portugueses?
Agualusa - São todos terrivelmente melancólicos. Não há personagem de autor português que não se suicide no final. Os portugueses parecem alguns autores paulistas actuais, soturnos e pessimistas. E há aqueles que não escondem a nostalgia do império e inventam um herói, sempre português, que percorre a África e a América, em geral povoadas por coadjuvantes sem importância. Ultimamente, porém, tenho lido autores jovens - Francisco José Viegas e Pedro Rosa Mendes - que já conseguem olhar para as antigas colónias com olhos menos colonialistas. O maior escritor lusitano da actualidade chama-se António Lobo Antunes. Ele é difícil na sua linguagem cheia de metáforas, é mesmo exagerado e sombrio, mas no meio de extensas zonas de sombra encontram-se golpes luminosos. Só que há poucos portugueses com humor depois de Eça de Queirós.

ÉPOCA - Por falar nisso, não citou o Nobel José Saramago. O que acha dele?
Agualusa - Ele pode ser um grande escritor. «Memorial do Convento» é um excelente romance. Mas não gosto dele. Saramago cultiva o niilismo. É um pessimista que não acredita na vida e os seus livros são contaminados pelo desencanto. É difícil escrever quando se descrê completamente da vida. Um grande romance deve ser feito com raciocínio, mas também com paixão, as vísceras e o coração. No seu último livro, «Ensaio sobre a Lucidez», Saramago faz a defesa do voto em branco, o que é ridículo, pois ele candidatou-se como deputado pelo Partido Comunista. José Saramago é vítima da própria descrença. É um velho.

4.9.06

Lisboa está cercada de bairros problemáticos que fazem lembrar, embora em menor escala, as favelas do Brasil. Foi preciso ingressar nesta vida para me aperceber desta triste realidade à volta da capital portuguesa. E não apenas no concelho da Amadora...
Um dia destes, à noite, transportei três indivíduos da Gare Oriente para o bairro do Catujal (Sacavém). Conheço mal a zona e segui as instruções dos clientes, ainda jovens. Viro à esquerda e à direita não sei quantas vezes, estou agora num caminho de terra batida em zona de casas modestas. Começo a desconfiar da conversa... «Não tem medo? Alguns taxistas têm medo de vir aqui...»
«Medo? Porquê? Estou bem acompanhado...», respondi sem vacilar, mas consciente de que a situação poderia complicar-se a qualquer momento. Percorro mais uns metros e depara-se-me um jipe da GNR. Nem hesitei: «Meus amigos, desculpem mas o serviço termina aqui...»
Não reagiram... Cada um puxou dos trocos e pagaram-me a «corrida». Dirijo-me aos agentes e faço um sinal de agradecimento. Nunca, na minha vida, senti tão amiga a presença das autoridades...

3.9.06

Até ao nascer do Sol, é chegar à discoteca Lux e «carregar» (passe a expressão). Trata-se de um espaço diferente na noite de Lisboa, frequentado por gente gira e bem-disposta. Já contei várias estórias do Marcelo (nome fictício), o taxista mais «assediado» da noite alfacinha. Ele não dispensa várias idas ao Lux e, numa delas, transportou um casal de lésbicas. Vinham ligeiramente eufóricas (bebe-se sempre um copo a mais...) e decidiram materializar o seu amor ali mesmo, dentro do táxi. Como o espelho retrovisor dos taxistas é muito coscuvilheiro, o Marcelo (fica nas nuvens quando vê duas mulheres acariciarem-se...), às tantas, meio descontrolado, parou o táxi no Parque das Nações, virou-se para as mulheres apaixonadas e disparou: «Vou sair já do carro... Estejam à vontade!»

31.8.06

Tempo de férias. Descansar é preciso, para mais nesta actividade fogareira, muito desgastante. Entretanto, dois dias em viagem de serviço com uma cliente espanhola e suas duas netas. Maria Dolores mora em Madrid e quis mostrar às «niñas» alguns locais que mais a marcaram quando visitou Portugal, há uma dezena de anos, na companhia do marido, já falecido. Coube-me essa missão e, durante dois dias, fui taxista e... guia turístico. Castelo de São Jorge, Torre de Belém, Jerónimos, Guincho e Sintra, no primeiro dia; Fátima, Batalha e Coimbra, no segundo.
Não conhecia a Universidade de Coimbra. A vista sobre a cidade e o Mondego é deslumbrante. E depois temos a Biblioteca Joanina (a mais antiga da Europa), a Sala dos Capelos, a Capela de S. Miguel, o Cárcere Medieval dos estudantes...
Tentei, sem esforço, ser um anfitrião à altura. No final, Maria Dolores agradeceu-me e foi muito generosa.

17.8.06

Quando me apercebi, tinha sete pessoas no carro! Dois casais (de Ermesinde) e mais os seus rebentos. «Desculpem, mas não posso transportá-los todos...» A solução foi chamar mais um táxi e... lá seguimos. De passagem rápida por Lisboa, aproveitaram para visitar o Oceanário e... o Estádio da Luz.
Vivò Benfica!

Tenho as minhas praças favoritas. Jerónimos, Castelo de São Jorge, Aeroporto, Hotel Altis, Hotel Pestana Palace... Foi nesta última que hoje «safei a folha» com dois casais italianos de Turim (ai a Juventus...). Interessados em arte e não só, coube-me transportá-los a vários locais da cidade (Museu Gulbenkian, Museu dos Coches...). Gosto da língua italiana e aventurei-me no diálogo com os meus simpáticos clientes. Saiu uma mistura esquisita, mas deu para nos entendermos...

«O Pestana Palace resulta da recuperação do antigo Palácio Valle Flor. Com vistas maravilhosas sobre o rio Tejo e um luxuriante jardim interior, o edifício é datado de final do séc. XIX, tendo sido alvo de rigoroso restauro que lhe devolveu o esplendor original. Quer os seus magníficos jardins quer o palácio são considerados monumentos nacionais.»

11.8.06

A entrevista de Eduardo Prado Coelho (EPC), na penúltima «Visão», não deixou de me surpreender. Estava convencido de que um autor do seu gabarito (onde é que eu fui descobrir esta palavra?!) não tinha a coragem de falar assim da sua vida pessoal, de forma tão aberta e sincera. Li alguns dos seus ensaios, os quais me ajudaram a descobrir vários autores, em especial de poesia; sou leitor das suas crónicas no «Público» – e construí uma ideia, pelos vistos errada, de que EPC era uma pessoa inacessível.
O meu primeiro contacto com EPC deu-se a seguir ao 25 de Abril, numa conferência (lembro-me) na Associação Portuguesa de Escritores, na Rua do Loreto. Fiquei fascinado com a sua capacidade de análise, com a facilidade como derivava de tema, para logo a seguir voltar ao raciocínio inicial. Tudo aquilo fazia sentido; tudo aquilo estava ligado.
Muito recentemente, li as cartas de EPC ao cardeal patriarca de Lisboa, D. José Policarpo (e vice-versa). A questão religiosa tratada com nível e elevação. Identifico-me com as posições defendidas por EPC. A certa altura, fiquei com a ideia de que ganhou por «KO» (perdoem-me a expressão) ao sr. cardeal, pessoa também muito inteligente e com elevada capacidade de argumentação.
Voltando à entrevista da «Visão». Insere-se na chamada área do «social», mas serviu-me para desconstruir a imagem deturpada (de homem inacessível) que tinha de um autor que muito admiro.

6.8.06

Ele «interviu»... O ror diário de calinadas nos nossos «media» de maior audiência daria para fazer um glossário da asneira nacional. É urgente que alguém proponha, na Assembleia da República, um modelo de exame para candidatos à carteira profissional de jornalista. E digo na Assembleia da República porque este é um problema nacional. Os portugueses não sabem falar a sua língua porque, além de mal ensinada nas escolas, é violada na comunicação nacional.
Francisco Rodrigues Pereira

3.8.06

Agosto fraquinho para os taxistas. Sinais da crise? Horas e horas nas praças, à espera do cliente que tarda em chegar. Tempo para pôr a leitura em dia. Cansado de jornais e revistas do género «conheça os melhores locais para passar férias», decidi virar-me para outro tipo de leituras. Li há tempos, na revista «Pública», uma bela reportagem sobre a correspondência entre Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena. Decidi comprar o livro e não estou arrependido. «A literatura, as cidades e a política povoam estas missivas transoceânicas, sobreviventes da censura da polícia política, trocadas durante as décadas de 60 e 70 entre duas eminências da cultura portuguesa que nelas, como é próprio do género epistolar e de uma relação de amizade e mútua admiração, se revelam intimamente.»

«Que algumas amizades prevaleçam para além de tudo é uma espécie de luz, talvez a pequenina luz bruxuleante. Exemplo de um desses momentos em que a sobrevivência da amizade é precavida e protegida, acontece nas cartas de Julho e de Novembro de 1964, por altura da atribuição do Prémio da Sociedade de Escritores, em que o júri se dividiu entre O Livro Sexto (Sophia) e Metamorfoses (Sena), deixando os dois poetas e amigos face a face num confronto que, embora provável, não haviam procurado nem, talvez, previsto.»

Correspondência de Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena (1959-1978) – Guerra & Paz, Editores

2.8.06

O mau início de época do Benfica está na ordem do dia... Fernando Santos mandou às malvas o sistema do «losango», a escassos dias da estreia na pré-eliminatória da Liga dos Campeões, e o país inteiro passou a discutir tácticas e bitácticas. Do «losango» ao 4x3x3 e mais as suas variantes, a escolha não é fácil... Depende, está visto, da matéria-prima...
De Alcântara a Telheiras, a conversa versou futebol. Às tantas, já próximo do fim da «corrida», o meu cliente desabafou: «Nota-se que é um taxista com bom astral... Sou juiz, ando muito de táxi e tenho um ódio de morte a certos taxistas...»
Considerei a linguagem («ódio de morte») demasiado forte para um juiz (?). Agradeci-lhe o elogio, mas ripostei: «Haverá taxistas imcompetentes, como em todas as profissões, mas também há juízes que muito ficam a dever à justiça...»
Despedimo-nos com um sorriso amarelo. Por mim, só espero que Fernando Santos ainda vá a tempo de inventar uma nova táctica capaz de vencer, nem que seja por 1-0, o modesto Áustria Viena...

23.7.06

A luz de Lisboa

É francesa, mora em Cascais e vai ao aeroporto esperar alguém que chega de Paris. Escolhe o itinerário: Cais do Sodré-Aeroporto pela Avenida Infante D. Henrique, junto ao rio. Fala-me da claridade de Lisboa. E do mar! «Paris tornou-se uma cidade muito agressiva.»
A propósito: que tal ouvir um fado do Camané que fala da luz de Lisboa?!

Quando Lisboa escurece
E devagar adormece
Acorda a luz que me guia
Olho a cidade e parece
Que é de tarde que amanhece
Que em Lisboa é sempre dia
Cidade sobrevivente
de um futuro sempre ausente
de um passado agreste e mudo
Quanto mais te enches de gente
Mais te tornas transparente
Mais te redimes de tudo
Acordas-me adormecendo
E dos sonhos que vais tendo
Faço a minha realidade
E é de noite que eu acendo
A luz do dia que aprendo
Com a tua claridade


[Letra: Manuela de Freitas
Música: José Mário Branco]

Grande agitação na zona ribeirinha de Alcântara e Belém. Muitos milhares de pessoas quiseram ver, ao vivo, a Regata dos Grandes Veleiros, no rio Tejo. Veio gente de todo o país e até de Espanha (para muitos espanhóis, o mar mais próximo é o da costa portuguesa...).
Espreitei os veleiros e fiz várias «corridas»... Um espanhol veio de Madrid, de comboio, mostrar a regata ao filho. Ao passar no Terreiro do Paço, ficou surpreendido: «Ainda em obras?!» Devagar, devagarinho... Só espero que não se esqueçam de colocar o Cais das Colunas no mesmo local.

Há recantos de Lisboa que descubro dia a dia. Vivi na zona da Graça, mas foi preciso transportar uma cliente estrangeira para conhecer Vila Berta – uma pequena aldeia dentro da cidade, onde todos se conhecem e as portas ainda ficam abertas.
A mulher, há dois anos a trabalhar em Lisboa, escolheu aquele local para viver e diz maravilhas de Vila Berta e da Graça.
Gosta muito de Portugal. E dos portugueses?
– Também! Mim, gostava de me apaixonar por um português. Ou que ele se apaixonasse por mim...
Se alguns marialvas da nossa praça ouvissem este desabafo...

21.7.06

Sai esbaforido da sede do CDS/PP. Passa da meia-noite e a reunião promete arrastar-se até alta madrugada (confessou-me). Uma escapadela ao hotel e o regresso ao Largo do Caldas. Vida difícil, a dos políticos! :)
O homem vem ligado à corrente... Zurze no Governo de Sócrates; zurze no PSD; é um saudosista de Paulo Portas...
O taxista, cansado de tantas «corridas», começa também a ficar saturado da conversa do político de aldeia.

É cabo-verdiana do Mindelo, terra de mulheres muito bonitas. Trabalha em Lisboa e mora na Margem Sul. A noite está agradável, a conversa flui com naturalidade. Apetece-me desligar o taxímetro e viajar até ao fim do Mundo...
— Gosto da Amora e da baía do Seixal. E de observar Lisboa desta banda... À noite, de preferência...
— A noite tem destas coisas... As pessoas ficam mais românticas...
— Românticas?
(...)

18.7.06

Francisco José Viegas, meu ilustre cliente, vai lançar um livro bem sugestivo: «99 Cervejas + 1. Ou como não morrer de sede no Inferno» (edição da Esfera dos Livros). Quarta-feira (19), às 18.30 h, na Cervejaria da Trindade, com apresentação de Alfredo Saramago.

17.7.06

Domingo de muito calor. Andar de táxi, sem ar-condicionado (a grande maioria...), é exercício que não recomendo. Pobres taxistas! A camisa colada ao banco, quais «vagabundos» em busca de clientes que não surgem. A cidade está deserta, canso-me de esperar nas praças e decido zarpar até à Feira do Relógio, onde os nossos «patrícios» africanos (e não só...) dão uma tonalidade roque-santeirista à capital portuguesa.
Vou lá uma vez, duas... À terceira calha-me uma portuguesa bem-falante, transporta um saco com as «sobras» das vendas. Diz que são programas informáticos e pede-me para levá-la à Buraca, mais propriamente «às bombas» (junto à Cova da Moura). «A seguir vou para Almada. Demoro um quarto-de-hora. Quer esperar?»
Deixou-me uma nota de 20 euros para caucionar a «corrida». Comprei água fresca, entretanto ela regressou do bairro e seguimos para Almada. Falámos de coisas banais e às tantas comecei a pensar que poderia estar metido numa armadilha. «E se os programas informáticos apenas servissem para disfarçar?»
Sinto ainda mais calor e acelero o Mercedes, desejoso de terminar o serviço.
Uff!

13.7.06

Quase todos os dias me cruzo com ele, na praça de táxis do Hotel Sheraton. Já sei que espera o cigarrinho ou a moeda para o «cafezinho». Para o «cafezinho»? Atravessa a Av. Fontes Pereira de Melo e vai tratar da sua vida. Depois regressa ao seu «posto». Sempre junto à praça de táxis.
Nunca perguntei o que lhe aconteceu na vida. Houve ali qualquer coisa que deixou de funcionar... O Fernando é boa gente! Pouco falador, mas comigo abre-se um pouco. E conta-me estórias que nunca se concretizam.

11.7.06

O Sérgio esteve recentemente em Estocolmo e falou-me dos táxis evoluídos da capital da Suécia. Todos têm GPS e multibanco. Fácil para o taxista chegar ao destino. É só carregar no botão...


Apesar disso, o meu amigo prefere andar de táxi em Inglaterra. É diferente!


Em Paris, quase todas as «corridas» são negociadas... Marroquinos e turcos em grande no mercado taxista da capital francesa.

Itália campeã do Mundo. Na retina ficou a cabeçada de Zidane em Materazzi, que ainda vai fazer correr muita tinta... O jogador francês, de origem argelina, promete revelações nos próximos dias. «Terrorista islâmico», ter-lhe-á chamado o defesa italiano, que entretanto já negou. Algo aconteceu que fez Zidane perder a cabeça. Não devia reagir assim! No melhor pano cai a nódoa...

8.7.06

Mais um taxista assassinado. E de novo a questão da segurança vem à baila. O programa «táxi seguro» (GPS) parece-me razoável. É preciso pô-lo em prática a nível nacional. O Governo tem responsabilidades na matéria...

Gosto da chuva de Verão, mas tenho pavor das trovoadas. Um trauma que vem da infância... Preciso de sentir o contraste entre a vida frenética da capital e a calmaria da aldeia. Se possível na companhia de Pessoa...


Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...

O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no fato de haver coro...

A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...

E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...

6.7.06

Hotel Avenida Palace – Visita à zona Sintra com um casal italiano. Seteais, Pena, Monserrate, Cabo da Roca... Em Monserrate, compraram um bilhete de ingresso para o taxista. Descemos, descemos... pelo Vale dos Fetos. Uma miscelânea de plantas, cascatas... Temperatura e paisagem tão agradáveis e eu a lembrar-me do caos nas ruas de Lisboa em dia de greve no Metropolitano... Enquanto ele dedicou mais tempo às plantas (conhece-as todas...), ela, pintora, deteve-se a apreciar a arquitectura do palácio (*). O pior foi o regresso... Com sapatinhos fragéis, a italiana mal conseguia subir a encosta. Dei-lhe a mão e, juntos, lá conseguimos chegar ao táxi.
Um dia agradável para o taxista. A «corrida» não rendeu muito, porque não consigo usar subterfúgios para elevar a parada... Mas regressei a casa com os pulmões mais purificados e o prazer de ter convivido, durante cinco horas, com dois simpáticos italianos.

(*) «Sugestivo palacete romântico cujo projecto se deve ao arquitecto James Knowles Jr., 1858. Construído no terceiro quartel do século XIX, por iniciativa de Francis Cook, visconde de Monserrate, constitui um dos mais interessantes espécimes sintrenses do romantismo.
Obra de espírito romântico-orientalista, com a sua grande torre circular, cúpulas bulbosas e valores exóticos na decoração, o palácio aproxima-se do famoso pavilhão Brighton (1815-1823) de Nash e da arquitectura romântica inglesa. Como afirma José Augusto França, Monserrate tem «um sentido cenográfico algo diferente, apoiado numa maior riqueza de pormenores arqueológicos», constituindo pelas suas raízes inspiradoras - que, por via inglesa, entroncam na arquitectura mogol - um caso ímpar do romantismo em Portugal.»

Estive de quarentena. O cansaço é muito e o tempo que me resta é curto para descansar. Muita transpiração, pouca inspiração... Lamento desidulir os amigos cibernautas.
Portugal perdeu. Um certo sabor amargo, tanto mais que a França pouco fez para justificar a vitória. Limitou-se a defender (bem) e a contra-atacar. Deco não se viu, Pauleta andou perdido entre as «torres», enfim, faltou-nos arte e engenho para derrubar a muralha defensiva francesa. E depois... Depois calhou-nos um «tal» árbitro sul-americano e as «coisas» ficaram mais complicadas.
Tinha esperança de que seria possível chegar à final de Berlim. Não embarquei na onda das bandeiras, mas confesso que hoje trouxe um boné escondido no porta-bagagem. Se Portugal ganhásse... «mergulhava» na noite com o boné que a minha mãe me ofereceu.
Não ganhámos! Brasil, Argentina, Inglaterra, Espanha... também ficaram pelo caminho. Há mais vida para além do futebol. Não chores, Portugal!

20.6.06

Portugal-Irão às duas da tarde... Aproveito a hora de almoço para ver o jogo, mas ao intervalo, já com o estômago aconchegado, decido arrancar com o táxi e ouvir o relato na voz inconfundível de Fernando Correia (TSF). Dirijo-me ao aeroporto. Nem cinco minutos de espera... É chegar e... «carregar» (não gosto da expressão, soa-me a mercadoria, mas é utilizada na gíria taxista). Transporto um casal de ingleses ao Hotel Solplay. Desligo o rádio (não gosto de incomodar). Em Linda-a-Velha, ouve-se enorme estrondo. Ligo de imediato o rádio e lá estava Fernando Correia a confirmar: «gooooooooolo de Cristiano Ronaldo!» Desligo o rádio. «No! No!», suplica a inglesa.

19.6.06

Esteve em Portugal em 1998, por altura da EXPO, integrado no «Navio Escola Brasil» (equivalente à nossa «Sagres»). É capitão-tenente aposentado da Marinha brasileira e vive em Maceió/Alagoas. Breve estada em Lisboa, vindo de Paris e com destino ao Recife. Eram onze da manhã e formulou-me um desejo, quase um pedido: almoçar caldo verde e bacalhau e... estar à uma hora no aeroporto.
Petrúcio queria evitar a todo o custo a refeição no avião e, por outro lado, saborear o bacalhau português («o melhor do Mundo») e beber um vinho tinto do Alentejo. «A esta hora de domingo vai ser muito difícil...», disse-lhe, enquanto pensava já na melhor solução para não o desiludir. Fui a um restaurante no Bairro Alto e... nada!; dirigi-me a outro, bem perto, e nem sequer tinha as mesas postas.
«E agora?» Ainda pensei em levar o capitão Petrúcio a minha casa, cozinhar duas postas de bacalhau com batatas, regá-lo com bom azeite de Castelo Branco e abrir uma garrafinha de tinto. Mas depressa mudei de ideias...
Àquela hora, só mesmo o Galeto! Sou conhecido na casa, mas não às onze da manhã... Costumo frequentá-la mais ao fim da noite. Estacionei o táxi e acompanhei-o. Falei com a empregada, bem simpática. «Eureka!» Um dos pratos do dia era bacalhau assado no forno! E caldo verde... há sempre!
O capitão Petrúcio ficou com um brilhozinho nos olhos e convidou-me para almoçar. Mas como?, se tinha tomado o pequeno-almoço há pouco tempo... Fui dar uma voltinha, fiz mais duas «corridas» e ao meio-dia e meio lá estava, à porta do Galeto. Petrúcio já estava sentado na esplanada, feliz da vida. «E o vinho?», quis eu saber. «Bebi Borba. E o pessoal atendeu-me muito bem.»
Rumámos ao aeroporto. Trocámos números de telefone e estou convidado para umas férias em Maceió. Não sei quando, mas isso que importa? O gesto é tudo!

15.6.06

Lisboa acordou de cara lavada, graças à forte chuvada da noite de terça-feira. A temperatura baixou, respira-se melhor, circula-se mais à vontade, mas em contrapartida os feriados deixaram os taxistas quase sem trabalho. Adiante!
Olhos azuis penetrantes, chapéu vermelho excêntrico e... sempre, sempre a sorrir. Inicio a subida da Calçada da Estrela e arrisco:
– Tem um chapéu muito bonito, à Benfica! Está muito bem-disposta...
A Joana sorri, sorri... e limita-se a responder:
– Comprei-o na Feira da Ladra...
– Qual a receita para a sua boa disposição – insisti, à espera de desvendar o que lhe ia na alma.
– A receita é... o chapéu! – diz-me com um sorriso maroto.
À chegada à Rua Silva Carvalho, em Campo de Ourique, alguém gritou a plenos pulmões, de um terceiro andar: «JOOO...AAA...NA!»

13.6.06

A última «Visão» dedica a capa aos mistérios da vagina. Nada contra a vagina, mas fica a ideia de que a revista fundada por Cáceres Monteiro está a ceder espaço a temas mais mediáticos. Será para aguentar o projecto «JL»? Se assim for...

12.6.06

Portugal estreou-se com vitória sobre Angola (1-0), no Mundial, mas não convenceu (excepção para Figo). Não jogou bem, a formação portuguesa, mas ao menos acabaram as «vitórias morais»... Com Deco, espera-se, a música será bem diferente.
A propósito do Mundial. O meu amigo Carmo não gosta de futebol. Custa-lhe aceitar esta «febre» à volta de ídolos que se exprimem com os pés... Por mais que tente convencê-lo da beleza (geométrica) do futebol, não consigo. Tem outros gostos, outras preferências...
O mais giro, nesta estória, é que o Carmo trabalha, como web designer, no site de um jornal desportivo – portanto, está rodeado de futebol por todos os lados...
Ontem, confrontei-o com esta situação «absurda», mas ele não vacilou e a resposta surpreendeu-me:
– Quando foi construída a Torre Eiffel, levantaram-se vozes de protesto. Um dia, um dos mais acérrimos críticos do projecto foi encontrado lá em cima... Questionado sobre a sua presença no local, respondeu: «Este é o único sítio de Paris onde não consigo observar esta obra ridícula.»

9.6.06

Aeroporto-Queluz. O Tiago é um puto-bera-cumó-camando, parafraseando o grande Carlos Pinhão. Mal entrou no táxi, embirrou com a foto da minha carteira profissional. «Porque é que tu cortaste o bigode?» Mas não ficou por aqui... Na Segunda Circular, à passagem pelo Estádio da Luz, voltou à carga: «Porque é que o meu tio mora em Benfica e não é do Benfica?»
Porque é que os putos fazem perguntas difíceis?

O romance da solidão portuguesa

O livro «Longe de Manaus», de Francisco José Viegas, venceu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores 2005 – um mais prestigiados prémios literários portugueses, patrocinado pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, Câmara de Grândola, Fundação Gulbenkian, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Instituto Camões e Sociedade Portuguesa de Autores.

«Depois de iniciar uma investigação sobre a morte de um homem desconhecido encontrado num apartamento dos arredores do Porto, Jaime Ramos – o detective dos anteriores livros policiais de Francisco José Viegas – é levado a percorrer caminhos que o transportam entre Portugal, o Brasil e a memória de Angola. Nesse triâgulo vivem personagens solitárias que desaparecem sem deixar rasto e cujas biografias tenta reconstruir a partir do nada, socorrendo-se apenas da sua imaginação. Esse percurso transportará o leitor da Beirute do século XIX até ao coração da Amazónia e à Manaus contemporânea, do Porto a São Paulo, de Luanda ao Rio de Janeiro e ao Amapá, da guerra de Angola e da Guiné aos apartamentos vazios onde são recolhidos cadáveres, memórias e silêncios. Há homens sem biografia nem memória, mulheres que desafiam o conformismo e a mediocridade do seu pequeno mundo, seres humanos que perderam todas as ilusões e se limitam a procurar não morrer. Este cruzamento de geografias e de tipos humanos provoca alucinações no próprio narrador, que ora escreve em português de Portugal, ora em português do Brasil, e no investigador Jaime Ramos, que é obrigado a inventar histórias de perdição para que o seu mundo tenha algum sentido. Reconstruindo a própria linguagem do romance policial, subvertendo as suas regras, escrito em tons e linguagens distintos, Longe de Manaus é o romance da solidão portuguesa, o retrato distante e desfocado de um país abandonado às suas memórias e ao seu desaparecimento.»

(Site das Edições ASA)

8.6.06

Pelos campos do mundo senha e signo
ele não desiste e nunca se repete
e em cada rua há um menino
de camisola número sete.

Pelos campos do mundo seu nome é quem nos diz
ele corre e finta e dribla e com seus pés
pelos campos do mundo escreve o seu destino.

Por isso diz-se Figo e é um país
com ele o sonho é português.

Manuel Alegre

Falemos de coisas mais importantes

Gosto de pessoas que têm a coragem de remar contra a maré. É o caso de Miguel Sousa Tavares. Não resisto a transcrever (com a devida vénia...) a sua crónica em «A BOLA de terça-feira (6-6-2006). Li com muita atenção a parte em que fala do jornalismo desportivo. E de Saltillo! Então, como agora, há alguns jornalistas que só têm uma forma de estar na profissão – de cócoras!

Sábado passado, deliciado a assistir a um grande jogo de ténis, dei comigo a pensar que bom é haver vida desportiva para além do futebol — num momento em que parece que não há nenhum outro tipo de vida, desportiva e não desportiva, para além do futebol e do Mundial.

1 - Sábado passado assisti a um dos grandes momentos desportivos deste ano: o jogo dos 16 avos-de-final de Rolland Garros, opondo o campeão em título e n.º 2 do ranking, Rafael Nadal, ao francês, 32.º ATP, Paul-Henri Mathieu. No dia em que completava apenas 20 anos de idade (!), o maiorquino Nadal, uma espécie de apache em fúria no court, teve de sofrer quatro horas e 53 minutos para se livrar do seu corajoso adversário — apenas treze minutos a menos do que durou, no mês passado, a célebre final de Roma, vencida em cinco sets pelo mesmo Nadal contra o n.º 1 mundial, Roger Federer.

E, ao longo das quatro horas e 53 minutos de jogo, pude, uma vez mais, confirmar a minha certeza de que o ténis é o mais bonito desporto alguma vez inventado e compará-lo, sei lá, com o futebol, por exemplo. E dei comigo a interrogar-me porque me deixo envolver tanto com o futebol — que, ao pé do ténis, não passa, hoje em dia, de um grande negócio alimentado ou pela paixão clubista e nacionalista ou pela esperança, quase sempre defraudada, de, de vez em quando, assistir a um grande espectáculo, como nos tempos em que os seus protagonistas se chamavam Maradona, Sócrates, Zico, Cruyff, Beckenbauer, Netzer ou Madjer.

Para começar, o ténis não tem clubes — o que, desde logo, afasta a paixão e a cegueira clubista. E, mesmo quando se torce por um compatriota, a beleza e a intensidade do duelo são tamanhas, que fatalmente acaba-se a torcer pelo mais corajoso, mais combativo ou melhor jogador. Depois, há uma rede a dividir os jogadores, o que impede desde logo o antijogo e as tácticas defensivas — muito embora, e essa é uma das atracções do jogo, se assista muitas vezes a duelos entre jogadores mais defensivos, como Nadal, e outros mais de ataque, como Mathieu.

O facto de não ser um jogo colectivo retira ao ténis o lado de desenho estratégico em movimento, que é um dos aliciantes do futebol, mas isso é largamente compensado pelo seu lado de duelo medieval entre dois contendores. E, por maior que seja a diferença entre ambos, é raríssimo que, ao longo de todo um jogo, um dos contendores esteja permanentemente por cima: cada um deles atravessa diferentes momentos de inspiração ou de desinspiração, de coragem ou de recuo, de fé ou de descrença. E é impressionante a capacidade de resistência física e psicológica de jogadores que são capazes de estar a trocar bolas, em permanente movimento e esforço, durante uma partida que chega a durar mais que três jogos de futebol. Depois, há toda a beleza técnica e estética do jogo em si mesmo, que não vale a pena sequer tentar explicar: ou se entende ou não se entende.

Finalmente, e não menos importante, o ténis permanece, ao longo de mais de um século de existência, um verdadeiro desporto de cavalheiros. Ninguém se atreve a contestar o árbitro — quando muito, pede-se-lhe delicadamente que ele confirme que a bola foi fora ou não. Nenhum jogador discute com o outro durante o jogo e são raríssimos, ou nenhuns mesmo, os casos em que um jogador ousa atribuir a derrota a falta de sorte ou culpa do árbitro. A regra é só uma: quem ganhou, mereceu ganhar.

Portanto, sábado passado, deliciado a assistir a um grande jogo de ténis, dei comigo a pensar que bom que é haver vida desportiva para além do futebol —num momento em que parece que não há nenhum outro tipo de vida, desportiva e não desportiva, para além do futebol e do Mundial.

2 - Aqui há umas semanas houve um debate, salvo erro na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, sobre o jornalismo desportivo. Li nos jornais que um dos participantes, jornalista, contou que no voo que levou recentemente a equipa do Benfica a Moçambique, Luís Filipe Vieira terá passado um violento raspanete a toda a imprensa desportiva que acompanha normalmente a equipa, já não sei a propósito de que assunto. E que, estranhamente, tal episódio não foi relatado nem referido por nenhum dos destinatários que seguiam a bordo. Não sei se a história é verdadeira ou não; sei que veio publicada na imprensa não desportiva e que ninguém que eu tivesse visto a desmentiu, assim confirmando implicitamente a sua veracidade e as lições que ela implica.

Lembrei-me disso a propósito da conferência de imprensa em que o seleccionador nacional anunciou a sua escolha dos 23 para a Alemanha. Obviamente, o interesse principal era ouvir da boca dele uma explicação para a não convocação de Quaresma e outros. Mas bastou que Scolari tivesse anunciado previamente que não respondia a perguntas sobre os não convocados para que todos os jornalistas presentes acatassem obedientemente a sua ordem. Do mesmo modo, só depois de alguns comentadores terem levantado a questão de saber se o calor de Évora era o melhor ambiente para preparar a Selecção e se os jogos contra Cabo Verde e o Luxemburgo seriam os testes mais adequados, é que alguns jornalistas ousaram aflorar o assunto para logo serem ameaçados pelo dr. Madail, que jura que vai voltar da Alemanha de dedo em riste para apontar os «antipatriotas» que ousam questionar a infalibilidade divina de quem decide estas coisas transcendentes.

Quero apenas recordar que o silêncio e a submissão da imprensa são maus conselheiros. Lembrem-se de Saltillo, onde o silêncio conivente perante a ribaldaria em que vivia a Selecção, no total desconhecimento de todo o país, foram contributo decisivo para um dos mais vergonhosos episódios do desporto português de todos os tempos. Quem lá está é que sabe com que linhas se deve coser. Mas, seguramente, não podem crer que andamos todos bem informados com a simples menção de mais um treino ligeiro da Selecção ou aquelas conferências de imprensa onde, com algumas raras excepções como Costinha, os jogadores debitam as maiores banalidades possíveis como se dissessem coisas de uma imensa importância e profundidade. Não basta relatar que a Selecção foi recebida em Marienfeld por dez mil emigrantes portugueses, numa impressionante demonstração de amor ao país distante e crença na equipa nacional que o representa e cuja simples presença tanto significa para esses portugueses longe de Portugal. É preciso contar também que a Selecção passou por eles como se não os visse, não perdendo sequer três minutos a agradecer-lhes o esforço, o estímulo e o sacrifício.

3 - A seu tempo, e se estiver para me chatear com o assunto, darei a devida resposta à parte que me tocou da entrevista do sr. Scolari à imprensa brasileira. Por ora, limito-me a dizer que ela apenas confirma o que já se sabia, mas que também é tabu: que o seleccionador nacional é um sujeito mal-educado, arrogante, ignorante e saudoso de regimes sem liberdade de imprensa nem regras de conduta democrática. Até pode, por absurdo dos deuses, voltar da Alemanha com o título mundial na bagagem: nem isso, a meu ver, o tornaria qualificado para representar e chefiar a Selecção do meu país. E pouco me importa se, como ele diz, houver 99,9 de portugueses que não pensam assim. Sorte a dele!

Miguel Sousa Tavares

6.6.06

Os divórcios não param de aumentar. Quem o afirma é o responsável de uma Conservatória de Lisboa que transportei na sexta-feira, à hora de almoço, exausto, porque só naquela manhã tinha «despachado» sete casais que decidiram mudar de ares. «Só tratamos de divórcios amigáveis; os litigiosos é com os tribunais.»
Não me espanta, sr. conservador! Apesar de estar vacinado contra a maleita, ainda recentemente fiquei surpreendido com a separação de dois casais amigos, um quarentão e outro cinquentão, que se «davam» às mil-maravilhas... Coisas da vida!

5.6.06

A leitura e a virtude cívica

Este «cantinho» não serve apenas para contar estórias de «fogareiro». Sempre que um texto merece reflexão, nada melhor que transcrevê-lo (com a devida vénia) e, assim, partilhar a sua leitura com os amigos cibernautas. É o caso deste artigo de Francisco José Viegas, publicado no «Jornal de Notícias».

Uma das notícias da semana passada foi, sem dúvida, a apresentação das ideias gerais que hão-de presidir ao Plano Nacional de Leitura. O país interessou-se vagamente pelo assunto, porque chegou à conclusão de que se atingiu - nas escolas e na vida familiar - uma espécie de ponto de não-retorno, cujo diagnóstico é certamente pessimista. As opiniões de Vasco Pulido Valente e de José Saramago, manifestadas de forma corajosa (bem como, por exemplo, Abel Barros Baptista) vieram trazer alguma polémica, sempre bem-vinda a um universo onde são todos bonzinhos e se acha que a leitura tem a ver com a cidadania, numa espécie de aliança de virtudes cívicas.

Essa ideia é, além de irritante («bons cidadãos, bons leitores»), perversa e ruim para a própria leitura. A leitura é fonte de inquietação, de ruína, de descalabro - e também de felicidade e de preguiça. Nenhuma destas coisas faz bons cidadãos. Certamente que «ler muito» é bom - mas «ler bem» é muito melhor. É claro que ninguém, no seu perfeito juízo, está em condições de definir o que é «ler bem», embora se perceba que se trata de ler bons autores, de conhecer a grandeza dos clássicos da nossa língua e das outras línguas, da nossa cultura e das outras culturas. Ninguém é melhor cidadão por ter lido Fernando Pessoa ou João de Barros. Mas a capacidade de entender o mundo melhora consideravelmente.

Ler bem é, também, aproveitar a felicidade de ler, se se é feliz ao ler um livro que se amou. Mas não se trata de uma virtude cívica.

Por isso, mais que um plano nacional de leitura apresentado como uma prioridade nacional e cívica, com a sua inevitável pompa cheia de valores politicamente correctos, é necessário que a escola mude alguma coisa nos seus hábitos. A escola e as famílias. Mas a escola cumpre um papel essencial, razão porque há a esperar alguma coisa desta iniciativa, uma vez que na sua base está também o trabalho de uma das pessoas que mais fizeram pela qualidade das bibliotecas escolares, Teresa Calçada, além de uma autora que pôs muitos adolescentes no caminho da leitura, Isabel Alçada.

Precisamente, alguns ideólogos estapafúrdios do ensino do Português (aqueles que dizem que a matéria curricular trata do «ensino do português» e não do «ensino da literatura») garantem que interessa acabar com a iliteracia e que a literatura nada tem a ver com o assunto. Provavelmente, nesse sentido, não haverá «vantagem cívica» em ter estudantes que saiam da escola a saber quem é Cesário Verde, a conhecer alguns trechos da «Peregrinação» ou de Fernão Lopes, a ter decorado dois ou três versos de Sá de Miranda ou de Tomás António Gonzaga. Por isso, os manuais do ensino e os livrinhos dos professores estão cheios de banalidades, de algaraviadas e de português deficiente.

Distingo, aí, algumas vozes a chamarem-me reaccionário. É um argumento e tanto, mas advirto que não vale nada. Penso que o conhecimento dos clássicos é um dos melhores caminhos para conhecer a nossa história, a nossa língua e a nossa cultura. E que a leitura de um clássico é melhor que a leitura de um regulamento do «Big Brother», um artigo de jornal ou cartaz publicitário. Mas estes anos de insistência nas «virtudes cívicas do ensino do português» em vez do ensino da literatura, «produz técnicos de ensino» do português mas não forma professores disponíveis para cativar estudantes do secundário para os desafios da leitura. Um dos argumentos é triste e vergonhoso: o de que os estudantes do secundário, por exemplo, «não compreendem» o texto de um clássico, «não entendem» a linguagem dos autores do cânone da nossa literatura. Por isso, tratam de «facilitar o caminho» e de modelar a cabeça das criancinhas (infantilizadas e maltratadas por anos de erros ortográficos). Se o Plano Nacional de Leitura não devolver os clássicos da nossa língua à escola, não terá sucesso.

Francisco José Viegas («Jornal de Notícias»)

Nunca vi qualquer episódio da série juvenil «Morangos com Açúcar», da TVI. Vejo pouca televisão e selecciono os programas que me interessam, dentro da disponibilidade de tempo, quase sempre a horas tardias. Li muito pouco sobre a morte recente do jovem actor Francisco Adam («Dino»), que tanta tinta fez correr. Chocou-me o aproveitamento que aquela estação televisiva fez da tragédia e veio-me à memória um artigo que li em tempos, salvo erro no «Expresso», a propósito das audiências televisivas. Sem escrúpulos, algumas televisões já não recorrem apenas ao sexo para aumentar o «share» – a exploração da morte, pelos vistos, também é uma boa fonte de receita...
Voltando aos «Morangos com Açúcar». Há dias, durante uma «corrida», pessoa que disse conhecer os bastidores da série falou-me de coisas de bradar aos céus. Como o regime de «escravatura» a que os jovens actores estão sujeitos para corresponder às exigências da produção. E outras coisas mais que não me atrevo a reproduzir. «Se muitos pais soubessem, não permitiriam que os filhos participassem na série, independentemente dos benefícios materiais que estão subjacentes.»
Sem comentários!